Título: Desserviço público de quase meio bilhão
Autor: Rizzo, Alana; Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 13/09/2009, Política, p. 13

União cobra na Justiça R$ 433,4 milhões de ex-servidores, mas nem 1% desse dinheiro deve ser recuperado.

Ex-servidores federais espalhados por todo o país deixaram uma dívida de quase meio bilhão nos cofres públicos. O rombo, que soma R$ 433.499.591,12 somente nos últimos sete anos, é decorrente de desvios e má gestão de recursos. O valor é quase o dobro do que está previsto para combater o trabalho infantil este ano (R$ 283.826.169). Também é maior do que os investimentos no programa Brasil Alfabetizado (R$ 301.580.000) e 144 vezes mais do que o que será usado na repressão da lavagem de dinheiro (R$ 3.003.841). O levantamento feito pela Controladoria-Geral da União (CGU) a pedido do Correio mostra que, no mesmo período, foram instaurados 30.944 processos disciplinares e 2.213 funcionários foram expulsos do serviço público no Executivo federal.

No Congresso Nacional, a situação não é a mesma. Juntos, Câmara e Senado abriram este ano apenas 14 processos administrativos disciplinares para apurar denúncias de irregularidades praticadas por servidores. Eles são resultado dos relatórios apresentados por comissões de sindicâncias, que encontraram indícios contra os funcionários depois de analisar provas e ouvir testemunhas. O número de sindicâncias abertas ainda em fase de apuração também é uma demonstração da quantidade de irregularidades praticadas. São 24 grupos trabalhando atualmente para apurar a conduta de quase 70 funcionários. Mas, não há ainda um levantamento sobre os custos desses desvios e não se sabe de casos de expulsão.

Sem o olhar atento da sociedade e o crivo das urnas, a maioria desses servidores rasga o Código de Ética Profissional previsto em lei. A proximidade com o poder faz com que a dignidade, o decoro e a moraliade passem longe da conduta desses funcionários. Remunerados com dinheiro público e com a obrigação legal de zelar pelo bem comum, eles tiram proveito do cargo em benefício próprio ou de pessoas próximas, recebem propina, apropriam-se de salários alheios, aproveitam vantagens de parlamentares, como cotas de passagens e postais, nomeiam assessores com interesses pessoais e dão o mau exemplo de como representar o funcionalismo.

Rombo em só sete anos

O rombo no Executivo federal é referente aos processos de Tomada de Contas Especial (TCE) instaurados desde 2002. Este valor está sendo cobrado dos ex-servidores, mas a expectativa de retorno aos cofres públicos não chega a 1%. No levantamento feito pela CGU, o maior valor desviado foi em 2006: R$ 81.106.570,66. Este ano, até setembro as TCEs já cobravam R$ 14,2 milhões.

A tomada de contas não é a única forma de cobrança usada pelo governo federal. A primeira é o servidor reconhecer, de forma amigável, o prejuízo e ressarcir o dano. Caso isso não aconteça, tenta-se a cobrança administrativa, que é desconto em folha no limite de 10% da remuneração. A TCE é instaurada pelo órgão que ordenou a despesa ou descentralizou o recurso. Se o servidor não autorizar o desconto ou não apresentar defesa que seja acatada, a TCE é encaminhada para o Tribunal de Contas da União (TCU). A cobrança é feita no plano administrativo. Caso o débito continue, a cobrança vai para a via judicial na Advocacia Geral da União (AGU).

A Controladoria-Geral da União recebe, em média, 5 mil denúncias de corrupção e práticas irregulares no serviço público por ano e mais da metade resulta em algum tipo de investigação. De acordo com o ministro da CGU, Jorge Hage, a fiscalização não se volta apenas para o peixe pequeno. Atinge todos os níveis, principalmente irregularidades envolvendo funcionários do alto escalão. ¿Os maus servidores não têm espaço na administração¿, afirmou.

Este ano, um agente administrativo do Ministério da Agricultura foi demitido por improbidade administrativa. Além do enriquecimento ilícito, o processo mostrou que ele prestava serviços de consultoria remunerada a uma empresa privada. No período relativo às irregularidades apuradas, o servidor encontrava-se cedido à Câmara dos Deputados. O ex-servidor está proibido de voltar ao serviço público por cinco anos. (AR)

Culpa funcional

No país acostumado a culpar políticos por atos de corrupção, a conduta de servidores públicos espalhados por diferentes órgãos mostra que a culpa e a responsabilidade também vêm da base da pirâmide e partem daqueles que, remunerados com dinheiro público, deveriam zelar pela moralidade administrativa. No Congresso, processos administrativos disciplinares dão o tom do descaso dos funcionários com a coisa pública.

Somente nos oito primeiros meses deste ano, foram abertos nove processos administrativos disciplinares e instaladas 18 comissões para investigar as fraudes. Pelo menos 47 servidores estão sendo investigados. Na lista de crimes cometidos estão apropriação de salários alheios, nomeações de assessores subordinados em benefício próprio, a apropriação indevida de vantagens dos parlamentares, como cotas de passagens aéreas e postais. A mais comum das irregularidades que abarrotam os boletins administrativos da Casa é simples e abrangente. Trata-se do crime de ignorância dos preceitos legais e das regras da administração pública.

No Senado, a intensidade da apuração sobre a conduta dos servidores é bem mais lenta. Em 2009, cinco processos administrativos foram abertos contra servidores, sendo que em três deles o personagem era o mesmo: o ex-diretor de recursos humanos Carlos Zoghbi. Em um desses três processos, também constam como investigados o ex-diretor-geral Agaciel Maia e outras seis pessoas subordinadas a eles. Os antigos dirigentes do Senado são acusados de crimes de improbidade, como o de valer-se do cargo para lograr proveito pessoal e de procedimentos desidiosos, ou seja, desenvolvimento da sua função com negligência e desleixo.

Paralelamente aos processos já abertos, seis comissões de sindicância trabalham para apurar possíveis irregularidades praticadas por servidores. Todas tratam de irregularidades em frequências.(IT)