Título: Conjuntura rara para o corte dos juros
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Fonte: O Globo, 01/06/2012, Opinião, p. 6

Asétima queda consecutiva da taxa básica de juros (Selic), de 9% para 8,5%, equivale para a economia brasileira a algo como a primeira vez que a barreira do som foi rompida, um feito histórico espetacular. É o patamar mais baixo na Era do Real, inferior aos 8,75% alcançados em 2009, quando a crise financeira mundial ampliava os efeitos recessivos na economia do país.

Decidido na quarta-feira, por unanimidade, pelos sete diretores do Banco Central que fazem parte do Copom, o corte coloca o Brasil no ranking dos juros reais (deduzida a inflação), que tanto liderou por muito tempo, apenas no terceiro lugar, atrás da Rússia e da China, segundo cálculos da Cruzeiro do Sul Corretora. Considerando a inflação projetada para os próximos 12 meses, os juros reais chegam a 2,8%, contra 4,3% e 3,1% dos dois países.

O BC tem grande mérito, por ter antevisto o agravamento da situação da economia mundial, a partir da europeia, e começado a reduzir a Selic no tempo certo, apesar das críticas quase generalizadas.

Há, de fato, uma "janela" escancarada de oportunidade para o Brasil, sem perder o controle da inflação, combater a enorme distorção de conviver com juros sempre nas alturas. O desaquecimento mundial - refletido na queda dos preços das commodities - atenua as pressões inflacionárias internas e dá mais espaço para o afrouxamento da política monetária (embora seja negativo para as exportações). E como há mais de US$ 300 bilhões nas reservas externas, o país prescinde dos juros internos para atrair divisas.

Um índice de commodities acusa queda de 20,5% em doze meses. Em compensação, o dólar, devido à situação externa, afinal se valorizou - como queria o governo -, ficou na faixa dos R$ 2, e é sempre um fator de pressão sobre os preços. Mais ainda agora, quando a indústria brasileira está bastante integrada às linhas mundiais de suprimento de peças e componentes. Mas o BC continua a apostar no cenário externo "desinflacionário".

A queda da Selic testa na prática o novo sistema de remuneração da caderneta de poupança, mas não deverá haver problemas, dada a sua aceitação quando foi anunciado. Quebrou-se a rigidez da fórmula de remuneração da poupança por TR mais 6,17% ao ano, uma espécie de "chão" para os juros. Estabelecido que a Selic igual ou inferior a 8,5% coloca em vigor a fórmula de TR mais 70% da taxa básica de juros, foi contornado este mecanismo de indexação. Sem isso, as cadernetas ofereceriam um rendimento desnivelado em relação às outras aplicações, atraindo um volume tal de recursos que prejudicaria a rolagem da dívida interna. Mas há outros itens na agenda estratégica de desindexação da economia, para acabar com uma herança maldita da superinflação da década de 80. Um deles, a fórmula de reajuste do salário mínimo.

Os sinais de desaquecimento da economia, visíveis em indicadores do início do ano - a ser confirmado hoje na divulgação do PIB do primeiro trimestre -, também compõem o cenário que justifica o sétimo corte consecutivo da Selic.

Como não há tendência eterna em economia, espera-se que o BC tenha a mesma agilidade quando a conjuntura mudar, e a política monetária tiver de ser acionada em sentido contrário - para conter o crescimento e a consequente inflação.