Título: Sem culpa nem piedade
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Fonte: O Globo, 04/06/2012, O Mundo, p. 25

Em meio ao aumento da pressão internacional sobre seu governo após o massacre de Houla, que deixou 108 mortos no último dia 25, o presidente sírio Bashar Al-Assad fez ontem uma rara aparição em público para se dizer horrorizado com o caso, atribuir o conflito no país a forças externas e justificar a repressão que, segundo ativistas, fez mais de 13 mil mortos em 15 meses. O sangue que ele tem nas mãos, sugeriu o ex-cirurgião oftalmologista, é inocente como o das mãos de um médico que opera para tratar uma doença. Esse foi o primeiro discurso de Assad em cinco meses.

- A linguagem humana não pode descrever as cenas que testemunhamos em Houla. Nem mesmo monstros poderiam cometer tais atos - disse, com grande formalismo.

Segundo o chefe das missões de paz da ONU, Hervé Ladsous, as mortes em Houla foram causadas por bombardeios do Exército seguidos de ataques por milícias pró-Assad. O Conselho de Direitos Humanos da ONU abriu uma investigação.

Após o incidente, os EUA sugeriram a possibilidade de adotar ações à margem do Conselho de Segurança da ONU, onde a Rússia, a principal aliada de Assad, vetou duas resoluções contra seu governo. A Liga Árabe, no sábado, pediu aumento da pressão contra o regime sírio e o premier do Qatar, xeque Hamad bin Jassim al-Thani, defendeu que o plano de paz para o país seja posto sob o capítulo 7 da Carta das Nações Unidas, abrindo a porta para uma intervenção militar.

O chanceler da Arábia Saudita, príncipe Saud al-Faisal, defensor do armamento da oposição síria, disse que Assad estava usando o plano de paz - acordado com a Síria em abril prevendo um cessar-fogo ainda não implementado - para esmagar a oposição.

Assad falou por quase uma hora aos novos membros do Parlamento que tomavam posse após as eleições de maio. O pleito foi apresentado pelo presidente como sinal de sua disposição por reformas. Segundo ele, porém, o conflito atual não é político.

- Se fosse, este partido iria aplicar um programa político. O que estamos enfrentando é uma tentativa de semear uma luta sectária e a ferramenta para isso é o terrorismo - disse Assad. - Esta é uma guerra externa promovida por elementos internos.

Assad é da minoria alauíta, uma divisão do xiismo, e a oposição a seu regime tem sido apoiada pelos países sunitas. Há suspeitas de que libaneses estejam também tentando entrar na Síria para se juntar aos rebeldes, ou ao menos lhes enviar armas. No sábado, partidários e opositores de Assad entraram em choque em Trípoli, deixando 15 mortos.

O presidente reafirmou ontem a sua disposição de continuar a combater ferozmente o que chama de terrorismo. Quando um cirurgião realiza uma operação para tratar um ferimento, perguntou Assad, "nós dizemos: "Suas mãos estão cobertas de sangue?". Ou nós o agradecemos por salvar o paciente?"