Título: Silêncio à prova de balas
Autor: Martins, Elisa
Fonte: O Globo, 05/06/2012, O Mundo, p. 29

Apesar de ser manchete frequente na imprensa mexicana, a violência derivada do combate ao narcotráfico ainda não ganhou visibilidade suficiente na agenda dos candidatos à Presidência no país. Com um rastro de mais de 50 mil mortos desde 2006, a guerra ao crime organizado é um tema delicado na atual campanha. Os aspirantes ao posto mais cobiçado do México evitam aprofundar a discussão com o temor de que uma interpretação equivocada custe votos, e pouco divergem em público da atual estratégia de Felipe Calderón, que pôs o Exército nas ruas em um confronto direto com os criminosos. Com a proximidade das eleições, que acontecem em 1º de julho, a sociedade mexicana cobra clareza sobre o futuro. Em um encontro com os candidatos na semana passada, integrantes do Movimento pela Paz com Justiça e Dignidade, do poeta e ativista Javier Sicilia, pediram o fim da militarização do país e uma nova estratégia de luta contra o narcotráfico. Com ao menos três mil seções eleitorais oficialmente reconhecidas como conflituosas, a insegurança não só é problema permanente de governo como acende um alerta em meio ao processo eleitoral.

No domingo, no mais recente episódio de violência no país, homens armados invadiram um centro de reabilitação em La Unión, município de Torreón, e mataram 11 pacientes. Incidentes em clínicas, longe da vigilância da polícia, não são incomuns, principalmente no norte mexicano. Mas, até agora, os casos estão mais associados a acertos de contas entre grupos rivais do que a ataques contra políticos. Para o dia das eleições, analistas admitem a possibilidade de episódios violentos isolados, além de coações, extorsões e compras de votos.

- O narcotráfico está afastado da política na atual campanha. Os criminosos sabem que fazer algo contra um candidato seria um ato suicida. Seria atrair todas as forças de segurança e dar legitimidade para o governo fazer o que quiser - explicou ao GLOBO Raúl Benítez, especialista em segurança e Forças Armadas da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam).

Os candidatos, entretanto, têm sido precavidos em relação aos locais de campanha. A agenda inclui visitas a estados marcadamente violentos, como Tamaulipas, Michoacán e Sinaloa, mas os comícios só chegam às cidades grandes, como Ciudad Juárez, Culiacán ou Reynosa. Os municípios pequenos são evitados por receio à hostilidade da população em lugares em que a presença do narcotráfico não só é mais forte como não são raros os parentescos de autoridades com criminosos.

Sensação de falta

de alternativas

O último evento de violência contra políticos em campanha ocorreu durante as eleições para governador em 2010 em Tamaulipas, o estado mais "narcotizado" do país, dominado pelo cartel Los Zetas. Rodolfo Torre Cantú, do PRI, foi assassinado em uma emboscada seis dias antes das eleições locais. Nos últimos anos, fora do contexto eleitoral, mais de 20 prefeitos foram mortos em pequenos municípios.

- A estratégia de Calderón é muito criticada entre analistas, jornalistas, movimentos sociais, clérigos e um setor importante da comunidade internacional. Mas não foi criticada no Congresso, nem por partidos que apresentem uma lei diferente. Não há propostas distintas porque a opinião pública apoia a estratégia de Calderón. Muitas pesquisas mostram que entre 60% e 70% da população está a favor da mão dura, do uso do Exército e de que é preciso ser enérgico contra os narcotraficantes. Quando o próximo presidente subir ao poder, dirá que mudará radicalmente a estratégia, mas vai seguir tudo igual, com nome diferente - afirma Benítez.

A aparente sensação de falta de alternativas tirou a violência da discussão de uma campanha que está menos direta e mais midiática, baseada em frases de efeito, rostos e penteados. Uma pesquisa divulgada pelo jornal "El Universal" mostra Enrique Peña Nieto, do PRI, com 43,8% da preferência dos votos, seguido de Andrés Manuel López Obrador, do PRD, com 27,7%, e Josefina Vázquez Mota, do governista PAN, com 26%. Apesar de manter a liderança, a vantagem de Peña Nieto sobre o segundo colocado caiu 8 pontos percentuais desde a última sondagem. Mas, ao contrário do que se pensava no início da corrida presidencial, a discussão de uma nova política de segurança nacional não tem determinado a briga por votos.

- Não há uma proposta genuína. Peña Nieto, López Obrador e Josefina falam em criar uma nova polícia nacional, um monstro enorme que não sabemos como será. Consideram tirar o Exército das ruas, mas não falam em uma saída real em meio ao combate ao crime organizado, nem da necessária reorganização do poder militar e judicial. Tudo é ainda muito superficial - opina Arturo Alvarado, diretor do Centro de Estudos Sociológicos do Colégio do México.

Recentemente, Josefina prometeu que colocaria atrás das grades o traficante mais procurado do país, "El Chapo" Guzmán, líder do cartel de Sinaloa. Peña Nieto, cujo partido, que governou o México por 71 anos até 2000, é historicamente acusado de pactuar com o crime, afirma que o PAN até agora só conseguiu colocar "El Chapo" na lista da revista "Forbes". O esquerdista López Obrador é quem mais pode sair beneficiado nessa discussão se souber vender a ideia de um país seguro com a mesma estratégia de quando foi prefeito da Cidade do México, hoje um dos lugares menos violentos do país. A cobrança por respostas efetivas aumentará nas próximas semanas. O presidente Felipe Calderón já pediu uma definição de postura dos candidatos, em uma tentativa de forçar a continuidade de sua estratégia. Ao menos entre os aspirantes à Presidência, a guerra está declarada.