Título: Uma região no vermelho
Autor:
Fonte: O Globo, 05/06/2012, Ciência, p. 32

Cem bilhões de dólares por ano. Este é o prejuízo estimado para a agricultura, turismo e outros setores econômicos da América Latina e Caribe causado pelas mudanças climáticas, segundo novo relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que será divulgado na Rio+20. O cálculo pode até ser conservador. Os economistas, apoiados pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF) e pela Comissão Econômica da América Latina e o Caribe (Cepal), consideraram, para fazer o cálculo, que a temperatura global aumentará apenas 2 graus Celsius até 2050 - algo de que até os pesquisadores mais otimistas começam a duvidar.

Por outro lado, evitar a savanização de parte da Amazônia e o sumiço dos corais caribenhos e das geleiras dos Andes sairia bem mais barato. Investindo até US$ 10 bilhões anuais, os eventos extremos, como enchentes e secas, não provocariam consequências tão drásticas como as projetadas.

Emissões de CO2 dobrarão até 2050

Mesmo sendo responsável por apenas 11% das emissões de gases-estufa, a América Latina é particularmente vulnerável às mudanças climáticas. Afinal, boa parte da economia local gira em torno de seus recursos naturais, e a infraestrutura é especialmente sensível a eventos extremos. Cada habitante da região libera, em média, 4,7 toneladas de carbono para a atmosfera. Se nenhuma providência for tomada para proteger estes países do aumento da temperatura global, o índice aumentará para 9,3 toneladas per capita em 2050. A meta do BID é reduzir esta quantidade para duas toneladas.

- Boa parte de nosso investimento foi sempre na área costeira - explica o colombiano Walter Vergara, chefe da Divisão de Mudanças Climáticas e Sustentabilidade do BID. - É onde erguemos nossas metrópoles e usinas. Há uma chance pequena, mas que ainda existe, de controlarmos o aumento da temperatura global. Sem isso, assistiremos, por exemplo, à morte dos corais do Caribe. Vários prognósticos apontam que estas estruturas poderiam sumir até a metade do século, o que provocaria um grande impacto na economia local.

Os recifes caribenhos são apenas um exemplo da fragilidade natural da região. Nos Andes, a temperatura tem subido a uma velocidade sem procedentes, aumentando a vulnerabilidade das cidades localizadas próximo às montanhas. Também é da cordilheira que vem a água usada por estas populações, seja para consumo próprio ou na agricultura.

A Amazônia, no entanto, deve sofrer - e provocar - os maiores estragos na América Latina. Estima-se que o desmatamento da face leste da floresta, incentivado pela agropecuária, causaria a savanização da área. Em outras palavras: menos matas, menos retenção de carbono, mais gases-estufa no céu, temperaturas maiores.

- Outra consequência seria a diminuição de umidade, que, de leste a oeste, produz chuvas nos Andes, e de lá se encaminha para o Sul do Brasil e para o Uruguai, irrigando a área agrícola - ressalta Vergara.

Uma saída ao setor primário é o surgimento de novos modos de produção. Vergara reconhece, assim como o relatório do BID, que o aprimoramento tecnológico pode minimizar as consequências que os eventos extremos terão sobre o campo. Há pesquisas para desenvolver o uso de sementes que reajam melhor a períodos de temporais ou estiagens. Outra saída seria mudar a área de prática da agropecuária. Não se sabe, no entanto, em que regiões elas seriam economicamente viáveis e ambientalmente corretas.

É urgente, segundo Vergara, "desacoplar o desenvolvimento econômico das emissões de carbono". Esta ação exigirá investimentos de todos os países latino-americanos, cada um em seu mercado. Uma ajuda externa, no entanto, não só é bem-vinda como também esperada.

Desde 2009, o governo da Noruega repassa recursos à Guiana para que este país mantenha em pé sua fração de floresta amazônica - e que corresponde a 75% de seu território. Até 2015, US$ 250 milhões terão atravessado o Atlântico rumo à América do Sul. O BID espera que outras iniciativas, tão ou mais ambiciosas que esta, sejam anunciadas nos próximos anos, mesmo com a crise financeira que aflige a Europa.

Até 2030, segundo o relatório, a região deve zerar suas emissões no uso da terra. Duas décadas depois, o carbono deve ser eliminado também como matriz energética e na infraestrutura de transportes.

- A única forma de reduzir os prejuízos calculados é pelo investimento - destaca Vergara. - Dois terços das emissões de gases-estufa da América Latina têm a ver com o uso da terra, seja pelo desmatamento ou pela atividade agrícola. Se acabarmos com isso, a região obterá benefícios importantes, como uma melhor segurança energética e alimentar. A longo prazo, conseguiremos uma vida melhor em ambientes mais saudáveis.