Título: Usar menos carro e separar o lixo caseiro
Autor: Scofield, Gilberto
Fonte: O Globo, 06/06/2012, Economia, p. 32

JAIME LERNER: Todo mundo sabe que o conceito de sustentabilidade é importante e que se relaciona com o fenômeno do aquecimento global, mas ninguém sabe bem como contribuir para o tema. Eu acredito que a grande contribuição vem das cidades, porque 75% das emissões têm origem nas cidades, metade vindo dos carros. Então são as cidades que podem ajudar mais. Sem abrir mão de prioridades naturais das prefeituras, como investir em saúde, educação e segurança, os prefeitos devem agir em temas como mobilidade, sustentabilidade e convivência, que inclui a ideia de sociabilidade, quer dizer, o contato entre as pessoas.

É por causa desta concepção que Curitiba é considerada a única cidade verdadeiramente sustentável do Brasil?

LERNER: Curitiba foi a primeira cidade a adotar soluções de mobilidade e não apenas de transporte público. Foi o primeiro município a ter corredores exclusivos, os BRTs, que o Rio está implantando agora e que existem em 120 cidades no mundo. Fomos os primeiros, ainda na década de 70, a fechar ruas de carros para uso exclusivo de pedestres, como o Calçadão da XV. Enquanto a maioria criava uma parafernália para os carros, nós preparávamos a cidade para as pessoas. Fomos a primeira cidade a recusar indústrias poluidoras e ampliar os parques. O índice de áreas verdes na capital passou de 0,5 metro quadrado por habitante para 52 metros quadrados por habitante. Fomos pioneiros na aplicação do conceito de recursos hídricos e drenagem.

Como assim?

LERNER: Quando muitos municípios estavam intervindo nos cursos dos rios, nós decidimos manter seus cursos naturais e investir em drenagem nas pavimentações de rua, um problema grave em São Paulo hoje. Garantimos a devida proteção aos fundos de vale e evitamos represas próximas dos centros urbanos. Instauramos a coleta seletiva de lixo, de modo que a capital tem a mais alta taxa de separação de lixo do mundo. Porque o lixo contamina os cursos de água. Tudo isso trouxe o aumento na qualidade de vida e, como consequência, mais investimentos para a cidade. Quando fui governador, em quatro anos atribuímos US$ 20 bilhões em investimentos para o estado. Os prefeitos precisam ter coragem e inteligência para decidir que tipo de investimentos querem atrair para seus municípios, porque a verdade é que, se a qualidade de vida cresce, os investimentos chegam.

E como os moradores das grandes cidades podem ajudar para torná-las mais sustentáveis?

LERNER: Usar menos o carro, separar o lixo, morar mais perto do trabalho ou trazer o trabalho para a casa e fazer uma equação equilibrada entre aquilo que consome e aquilo que desperdiça, pensar se precisa mesmo consumir aquilo. O conceito de sustentabilidade é um estilo de vida que inclui lazer, trabalho, mobilidade, espaço público, tudo junto.

E do ponto de vista dos governos?

LERNER: Muitas reuniões não surtem efeito porque não focam no que pode ser feito. Não adianta dizer que vai reduzir as emissões em 20%. Vai reduzir como? Se os países investissem por meio das cidades, já teríamos bem menos problemas.

Mas o que impede as prefeituras de agir?

LERNER: A postura precisa ser assumida com vontade política forte e determinação de fazer. Porque, em geral, os governantes delegam essas medidas à burocracia do governo. Mas a burocracia morre de medo de assinar qualquer coisa e tomar qualquer decisão. Nós fizemos tudo no Paraná com o Ministério Público no nosso pé. E só o que fizemos foi argumentar sobre a importância das medidas para a comunidade como um todo. Mas os governantes usam os MPs e os movimentos sociais como desculpa para adiar a tomada de decisões.

Muitas prefeituras parecem mais focadas na questão dos metrôs.

LERNER: Há um falso dilema entre carro e metrô. É falso porque quando falamos em mobilidade, falamos em todos os sistemas possíveis. Uma rede ideal de metrô leva tempo. São Paulo tem um problema de trânsito terrível porque 84% de sua população se deslocam na superfície, apesar de todo o investimento nas quatro linhas de metrô. O sistema de trens funciona bem melhor que o de ônibus, mas os dois não recebem a devida atenção. Mas o fato é que a solução vem de um projeto que contemple todos os deslocamentos, não apenas mais linha de metrô.

Por que os governantes morrem de medo de tirar uma faixa dos carros e passá-la para os ônibus?

LERNER: Porque não enxergam que o itinerário de rotina das pessoas tem que ser feito com transporte público ou bicicleta. E você pode acrescentar componentes novos, que são os mais atuais em termos de mobilidade, como carros compartilhados e veículos elétricos.

O Rio de Janeiro, sede da Rio+20, está fazendo certo?

LERNER: Fizemos o primeiro estudo de mobilidade para as Olimpíadas que foi a base para o projeto de candidatura vitorioso da cidade. Não prometemos nada que não pudesse ser entregue, como a ampliação do metrô para a Barra e as várias linhas de BRT. O Rio avançou muito em mobilidade.

E por que as soluções adotadas em Curitiba e outros municípios não são ampliadas para todo o país?

LERNER: Porque os governantes fazem testes e a população não acredita. É preciso aplicar as soluções. Ensinamos os conceitos às crianças nas escolas e elas ensinam a seus pais. O que importa é qualidade de vida e recursos humanos, além de uma visão estratégica sobre logística e infraestrutura para os produtos chegarem nas mãos do mercado da forma mais inteligente possível. Ninguém quer morar ou estabelecer negócios em cidades sem qualidade de vida. E a qualidade de vida gera mais empregos.