Título: Desequilíbrio federativo
Autor: Scofield Jr,Gilberto
Fonte: O Globo, 03/06/2012, O País, p. 3

No ano passado, o Rio repassou, em forma de impostos e contribuições de pessoas físicas e empresas, R$ 141 bilhões para o governo federal. Em troca, recebeu de volta apenas R$ 14,7 bilhões em repasses constitucionais obrigatórios, investimentos e royalties do petróleo. É como se cada cidadão fluminense destinasse à União R$ 8.824 ao ano, mas recebesse de volta somente R$ 918, ou 10% do total. É o que revela um levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

O estudo mostra que, considerando os repasses totais de cada estado para a União, Rio e São Paulo são os que mais transferem recursos para o governo federal. São também as unidades da Federação que, junto com o Distrito Federal, proporcionalmente menos recebem de volta. No caso de São Paulo, o valor dos repasses e investimentos da União representa apenas 4% do que foi transferido. Para o Distrito Federal, volta menos de 1%. Receitas da Previdência não foram consideradas.

Num momento em que o Congresso discute um novo rateio para o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE, o dinheiro dos impostos federais que retorna para os estados) e os novos critérios de distribuição dos royalties do petróleo, o levantamento mostra ainda que Rio e São Paulo, juntos, são a fonte de 60% dos R$ 698 bilhões das receitas federais.

De maneira inversa, estados do Norte e do Nordeste são os que mais recebem recursos federais em comparação com o que arrecadam. Em termos absolutos, Maranhão e Piauí foram os que mais receberam cada: R$ 2,5 bilhões acima do que arrecadaram ano passado. Na análise per capita, no entanto, são os moradores de Roraima que mais se beneficiaram do rateio: receberam R$ 3.168 em 2011 e pagaram R$ 806 em impostos.

Essa lógica da redistribuição de renda, conhecida no jargão político como pacto federativo, ocorre na maioria dos países onde se busca reduzir as diferenças entre estados e províncias ricos e pobres. No Brasil, ela é feita por meio do FPE e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), criados na década de 60 e revistos na Constituição de 1988. A ideia é transferir parte dos recursos produzidos nas unidades mais ricas para ajudar o desenvolvimento das mais pobres.

Mas há dois problemas. O primeiro é que a União continua abocanhando a maior parte dos recursos arrecadados, dinheiro que é gasto basicamente com folha de pagamento do funcionalismo e Previdência Social. Além disso, não há no Brasil nenhum mecanismo eficiente que ajude os estados do Norte e do Nordeste a melhorar suas arrecadações próprias e depender menos do dinheiro das transferências. Da mesma forma, pouco se faz para ajudar estes estados e seus municípios a melhorar a administração pública e evitar a corrupção.

- O que este levantamento mostra é que a discussão sobre pacto federativo precisa mudar, porque as economias dos estados do Norte e principalmente do Nordeste estão crescendo mais, porque a base de comparação é muito baixa e porque o país está crescendo como um todo, especialmente a arrecadação - diz Gabriel Leal de Barros, especialista em finanças públicas do Ibre/FGV e autor do levantamento. - O ideal seria condicionar o rateio a algum tipo de desempenho em termos de melhora de indicadores, principalmente os sociais. Caso contrário, corremos o risco de ver mais dinheiro ser gasto por governos que não possuem sequer um orçamento público decente.

- Tenho muito receio das discussões de governadores e políticos a respeito do FPE e dos royalties no Congresso - afirma Guilherme Mercês, gerente de Estudos Econômicos da Firjan. - Porque todo mundo quer mais dinheiro, mas ninguém fala em melhorar a administração pública nas regiões menos favorecidas. E essa administração é ruim.

- Os dados confirmam aquilo que se espera, a transferência de renda. Algo completamente diferente é o efeito das políticas públicas, ou seja, quando se olha o lado do gasto. Não há garantia de progresso, mesmo o Estado recebendo liquidamente mais dinheiro, em vista de políticas estaduais equivocadas - completa o economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas.

- Há pouquíssimos exemplos internacionais de transferências regulares, como o nosso FPE, condicionadas a critérios de desempenho por parte das unidades políticas recebedoras. Tenho a impressão de que isso contraria nossa Constituição, embora, num sentido limitado, a condicionalidade já exista por conta do bloqueio das cotas de FPE e FPM para estados e municípios que não recolham o serviço de suas dívidas ao Tesouro - observa o economista Gustavo Maia Gomes, ex-diretor do Ipea.

- Condicionar transferências a desempenho gerencial é um pensamento de elite típico de "Casa Grande & Senzala". Porque, se você reduzir o repasse, quem mais vai sofrer é a população dos estados já pobres - ressalva o economista Fernando Lopreato, da Unicamp.

Em fevereiro de 2010, o STF decidiu que o rateio do FPE, em vigor há mais de duas décadas, tornou-se inconstitucional porque não garante a igualdade na receita dos diferentes estados do país. Ele estabelece que 85% dos recursos devem ir para os estados de Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e 15%, para Sudeste e Sul. A revisão desses percentuais, que deveria ter ocorrido em 1991, nunca foi feita. O Supremo deu até o fim do ano para o Congresso resolver o impasse.