Título: ONU vê crime contra Humanidade
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Fonte: O Globo, 02/06/2012, O Mundo, p. 33

SÍRIOS VELAM corpos de 13 trabalhadores mortos por atiradores: EUA pressionam Rússia dizendo que neutralidade é sinônimo de apoio a regime Assad

Em um esforço para elevar a pressão internacional sobre o regime do presidente Bashar al-Assad, o Conselho de Direitos Humanos da ONU condenou o governo sírio pelo massacre, na semana passada, de 108 pessoas na região de Houla, e determinou a abertura de uma investigação das Nações Unidas - liderada pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro - para identificar os responsáveis. Segundo a alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Navi Pillay, os perpetradores da violência podem ser acusados de crimes contra a Humanidade. Esta é a quarta vez ao longo de um ano que o fórum de 47 membros em Genebra realiza uma sessão especial para manifestar repúdio a ações de que o regime do ditador é acusado.

A resolução foi aprovada numa sessão de emergência com a aprovação de 41 delegações. Somente três países votaram contra a proposta: Rússia, China e Cuba. Outros dois membros se abstiveram e uma delegação esteve ausente. O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, ressaltou que, apesar de o Brasil não participar como membro do Conselho de Direitos Humanos, o país se associou à convocação da reunião de ontem. Patriota voltou a defender o acordo de paz intermediado pelo enviado especial da ONU e da Liga Árabe, Kofi Annan:

- Mas tem de haver o cumprimento dos requisitos por parte do governo sírio. É importante que essas mensagens sejam entendidas para que cesse a violência e comecemos o processo de transição política.

O documento votado no conselho foi apresentado por Qatar, Turquia e EUA e sua aprovação foi impulsionada pela indignação após a morte de mais de uma centena de sírios. Quase metade das vítimas era formada por crianças. Apesar do caráter simbólico da resolução, já que o governo Assad ignorou demandas anteriores do conselho - inclusive os pedidos de autorização da entrada no país dos investigadores da ONU - a medida tem impacto por descartar as afirmações do regime de que o massacre teria sido perpetrado pela oposição armada, além de reforçar o crescente isolamento do país.

Treze mortos em

novo massacre

As expressões de preocupação de diplomatas com o futuro do país ganharam um reforço com as declarações da alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Navi Pillay. Em discurso lido em seu nome, ela afirmou que a Síria pode mergulhar num conflito pleno e pôr em risco a região como um todo. Ela destacou que as forças sírias e as milícias pró-governo acusadas de assassinato podem enfrentar acusações de crimes contra a Humanidade. "Reitero que aqueles que pedem, ajudam ou deixam de interromper ataques contra civis são individualmente responsáveis criminalmente por seus atos", disse, reiterando o pedido para que o Conselho de Segurança da ONU envie o caso ao Tribunal Penal Internacional.

A escalada de violência no país será alvo de discussão na próxima semana no âmbito da Assembleia Geral da ONU, que reúne 193 países. Kofi Annan e Navi Pillay devem fazer um relato aos diplomatas. Ontem, Annan reconheceu a insatisfação diante do descumprimento do cessar-fogo acordado em abril e que foi basicamente ignorado:

- Realmente queremos ver as coisas se movendo mais rápido.

O insucesso das iniciativas diplomáticas eleva a pressão sobre a Rússia, principal aliada do governo Assad, com interesse no fornecimento de armas e em sua única base naval no Oriente Médio, situada na Síria. O país tem vetado sanções mais duras no Conselho de Segurança da ONU e descarta qualquer hipótese de intervenção militar. Ontem, em visita a Berlim, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, negou as acusações de que as armas enviadas ao país sejam usadas no conflito.

- Temos um bom relacionamento com a Síria, mas não apoiamos qualquer lado a partir do qual a ameaça de uma guerra civil possa surgir.

A declaração não minimizou as preocupações dos EUA e do Reino Unido. Em Oslo, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, pressionou Putin, dizendo que a atitude do país equivale a um apoio à ditadura síria:

- A posição da Rússia de alegar que não tem posição é certamente vista no Conselho de Segurança, em Damasco e em qualquer outro lugar como apoio à continuidade do regime Assad.

Ela disse que o suprimento de armas russas à Síria contribuiu para fortalecer o ditador, mas afirmou ver indícios de que Moscou esteja se preparando para apoiar uma "transição política" - sinônimo de fim do governo de Assad. Já o chanceler britânico, William Hague, destacou a "necessidade desesperada de uma solução política" e afirmou que o país caminha para a guerra civil.

- A situação agora é tão grave, tão séria e está se deteriorando tão rapidamente que nenhuma opção de ação internacional pode ser descartada - disse.

Enquanto a comunidade internacional discute a censura à violência, um novo massacre foi denunciado. Treze corpos foram encontrados fora de Qusair, cidade controlada pelos rebeldes do Exército Livre da Síria. As vítimas, trabalhadores de uma fábrica de fertilizantes que voltavam para casa, teriam sido executadas, segundo ativistas. Fotos na internet mostram que as mãos dos homens foram amarradas. No vídeo do cortejo fúnebre, parentes carregavam caixões, cantando palavras de ordem, como "morte antes da desonra".

COLABOROU Pablo Rebello