Título: Dilema orçamentário
Autor: Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 17/09/2009, Política, p. 2

Com o veto do governo federal às emendas de bancada, congressistas terão de decidir se atendem base eleitoral ou governadores

A elaboração do orçamento do próximo ano promete criar uma disputa de interesses entre parlamentares e governadores. Os congressistas terão de optar por garantir recursos para projetos prioritários em suas bases ou atender aos chefes dos estados. O detonador foi o governo federal, que não reservou espaço no projeto de Lei Orçamentária Anual para as emendas de bancada, em que parlamentares de um mesmo estado destinam verbas para investimentos específicos. Este ano, usando a crise econômica mundial como desculpa, de um total de R$ 9,4 bilhões em emendas das bancadas estaduais, R$ 4,2 bilhões foram cancelados e o restante, suspenso até segunda ordem.

O terreno para essa batalha começou a ser preparado ontem, quando mais de R$ 3,8 bilhões em créditos foram aprovados pela Comissão Mista de Orçamento. Esse montante que foi remanejado será utilizado para reorganizar as pastas do governo. Com isso, será possível contemplar, até o fim de 2009, pelo menos em parte, as emendas individuais dos parlamentares incluídas no Orçamento atual.

A medida é um afago aos congressistas que, com a liberação desses recursos, terão realizações para pregar em campanha. Com isso, pode ficar mais fácil negociar os pontos críticos do orçamento para o ano que vem. ¿O governo está preocupado em garantir as emendas individuais. Enquanto não foram pagos os recursos elencados pelos parlamentares, não pensaremos nas emendas de bancada¿, disse o vice-líder do governo na Câmara, deputado Gilmar Machado (PT-MG).

Para 2010 a disputa ganhará contornos dramáticos. Com um orçamento apertado, receita superestimada e gastos suntuosos com o custeio da máquina pública, e investimentos na área social, não sobrou dinheiro para atender parlamentares e governadores(1).

Procura

O relator da LOA, deputado Geraldo Magela (PT-DF), precisará ainda encontrar recursos para atender às demandas dos estados que não foram contempladas na peça orçamentária enviada pelo Executivo para 2010. Aí entrará o esforço do governo pela não liberação das emendas de bancadas.

Essas emendas, geralmente, atendem às demandas de governadores, que contam com o dinheiro para complementar grandes projetos. Já as emendas individuais, são utilizadas pelos parlamentares para garantir a pequenos investimentos em suas bases eleitorais.

O raciocínio é o seguinte: se firmar o compromisso de atender às emendas individuais, os 513 deputados e 81 senadores serão contemplados no orçamento. Em anos anteriores, cada parlamentar teve direito a destinar R$ 10 milhões em emendas, e cada estado ficou com 15 emendas de bancada.

Como não há dinheiro para atender a governadores e congressistas, quem quiser garantir as emendas de bancada terá de cortar do próprio bolso. O discurso que dá suporte a essa tese no governo é o de que as emendas individuais atendem a todos os parlamentares igualmente, enquanto que nas emendas de bancada apenas alguns levam os louros pela liberação dos recursos.

Mas os parlamentares parecem já ter entendido o recado. ¿É preciso que se faça uma discussão honesta sobre as emendas de bancada. Não dá para o governo continuar fingindo que há recurso e a gente fingir que acredita. Não adianta estar descrito no orçamento se não houver real possibilidade de liberação¿, afirmou o vice-líder do PSDB na Câmara, Duarte Nogueira (SP). O líder do PT na Casa, Cândido Vaccarezza (SP), concorda. ¿Não adianta ter a emenda se ela não for realizada¿, disse.

1 - Ausência A sinalização de que não sobrou recursos para governadores é a ausência de recursos para o pagamento das verbas previstas pela Lei Kandir, que fala da compensação da União aos estados que renunciam à cobrança de ICMS nas exportações ¿ da ordem de R$ 3,9 bilhões. A inclusão desse montante na peça orçamentária de 2010, mais o pagamento de R$ 1,3 bilhão relativo ao ano de 2007, são algumas das principais reivindicações dos governadores.

DUPLICIDADE O relator do projeto da Lei Orçamentária Anual de 2010, deputado Geraldo Magela (PT-DF), terá que se virar em dois para atender tanto os pedidos do governo, encabeçado pelo seu partido, quanto a pressão dos pares. Ele se deparou com uma proposta orçamentária apertada, sem margem de manobra. Esse arranjos são necessários para garantir compromissos firmados pelo governo que não estão contemplados na proposta orçamentária e, ainda, encaixar os pedidos dos parlamentares. Sem o apoio deles, a aprovação do Orçamento nos moldes em que foi proposto fica inviável.

AUDIÊNCIAS PÚBLICAS A Comissão Mista de Orçamento (CMO) aprovou em reunião a realização de mais audiências públicas para discussão da proposta da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2010. Antes limitadas às cinco regiões, agora elas serão realizadas em todas as capitais de estados do país, e no Distrito Federal. O calendário de realização dessas audiências será definido hoje. O deputado Geraldo Magela (PT-DF), autor do requerimento que aumentou o número de audiências públicas, comemorou a aprovação na CMO. ¿Com isso vamos ampliar os debates sobre o Orçamento¿, afirmou. A intenção do relator é de que dessas audiências surjam pedidos da população para investimentos em unidades da federação.

Memória Depende da arrecadação

As emendas de bancada nunca foram aplicadas integralmente. A média história de liberação desses recursos fica entre 40% e 60 %, a depender da arrecadação. Cada estado tem direito, a depender de seu tamanho e população, de 15 a 22 emendas na Lei Orçamentária Anual. Para o Distrito Federal, por exemplo, são 15 emendas. As pastas que mais recebem recursos de emendas de bancadas são as ligadas a infraestrutura e saúde. Os ministérios dos Transportes, Cidades e da Saúde, por exemplo, são campeões nesse quesito.

Não há previsão para este ano da liberação dos R$ 5,1 bilhões em emendas de bancadas que estão contingenciados. No entanto, para não frustar de todo os parlamentares, o governo vai trabalhar para liberar pelo menos R$ 4,9 bilhões em valores globais para contemplar emendas individuais.

Os valores empregados na reforma da Via Epia, por exemplo, mostram a importância das emendas de bancada para os governadores. Orçada em R$ 66 milhões, conta com R$ 57 milhões destinados por parlamentares do DF.