Título: Touradas em madri
Autor: Nogueira Batista Junior, Paulo
Fonte: O Globo, 09/06/2012, Opinião, p. 7

LidoAárea do euro não dá sossego nem descanso. Nas últimas semanas, o foco se deslocou para a Espanha. O país atravessa neste momento uma crise financeira talvez sem precedentes na sua história. O problema bancário, tudo indica, já adquiriu uma dimensão que transcende as forças e possibilidades do Estado nacional espanhol. Cresce a percepção nos mercados de que a Espanha terá de buscar, a qualquer momento, alguma forma de socorro financeiro externo.

A crise espanhola remonta, como se sabe, a uma bolha especulativa de grandes proporções no mercado imobiliário, alimentada por entradas maciças de capital externo. Quando sobreveio o choque financeiro de 2007-2008, a entrada de capitais secou e a bolha estourou, deixando a economia espanhola e boa parte do seu sistema financeiro em estado deplorável. Mais um exemplo, entre muitos, dos imensos riscos associados à livre movimentação internacional de capitais.

O quadro econômico da Espanha está hoje entre os piores da Europa. A economia entrou novamente em recessão; a produção industrial caiu mais de 8% nos doze meses até abril. A taxa de desemprego, em 24%, é a maior da União Europeia, tendo triplicado desde 2007.

A posição fiscal, razoavelmente forte até 2007, sofreu grande deterioração desde então. A dívida pública (governo geral) aumentou de 36% do PIB em 2007 para quase 70% no ano passado e deve continuar crescendo. Ainda mais grave é o endividamento externo da Espanha, que se aproxima de 100% do PIB.

Assim como outras economias da área do euro, a Espanha enfrenta pelo menos três círculos viciosos ao mesmo tempo. O primeiro é a interação perversa entre a fragilidade das contas públicas e a crise do sistema financeiro. As despesas do Estado com o socorro a instituições financeiras frágeis - e a perspectiva de que novos gastos serão necessários - desvaloriza os títulos públicos e aumenta os juros que o governo deve pagar para se financiar no mercado. Como os bancos carregam muitos títulos públicos em sua carteira, a sua desvalorização fragiliza ainda mais os bancos.

O segundo círculo vicioso é entre o sistema financeiro e os níveis de atividade e emprego. A recessão e o desemprego, combinados com as altas taxas de juro no mercado, diminuem a capacidade de pagamento dos devedores privados dos bancos. A deterioração da qualidade da carteira dos bancos induz, por sua vez, a uma retração da oferta de crédito. Com menos disponibilidade de crédito, a atividade econômica sofre deterioração adicional, realimentando a fragilidade dos bancos.

O terceiro círculo vicioso é o que liga o ajustamento fiscal à atividade econômica. As dificuldades de financiamento do Estado forçam o ajustamento fiscal, baseado em medidas de redução de gastos públicos e aumento da receita tributária. Essas medidas, entretanto, reduzem a demanda na economia e tendem a derrubar o nível de atividade e aumentar o desemprego. A queda da atividade corrói a arrecadação; o aumento do desemprego eleva as despesas com seguro-desemprego.

Em outras palavras, em uma economia deprimida, o ajuste fiscal tende a se autoderrotar. Qualquer redução do déficit público é alcançada a um alto custo social e político, o que tende a minar a confiança na sustentabilidade das políticas aplicadas.

No caso da Espanha, a crise pode colocar em risco a própria unidade do país. O governo regional nacionalista da Catalunha, por exemplo, está se tornado cada vez mais hostil em relação a Madri e já ameaçou quebrar unilateralmente a ordem constitucional.

Estamos falando, leitor, da quarta maior economia da União Europeia. Com a intensificação da crise na Espanha aumentou o risco de uma desintegração da área do euro.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal.