Título: Sem intervenção
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Fonte: O Globo, 08/06/2012, Opinião, p. 6

OEcad, sigla de Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, responsável no país pela cobrança dos direitos autorais na execução de músicas, tem presença constante em discussões sobre a lisura na remuneração de músicos e compositores. E, nos últimos anos, a entidade terminou envolvida num grande choque de visões contrárias no meio artístico sobre os limites destes direitos na era digital, em que não apenas a privacidade, mas o controle do autor sobre sua obra tornou-se relativo.

Mas, apesar de todas as críticas, não parece haver alternativa possível ao Ecad. Mesmo nos Estados Unidos, onde o mercado musical é gigantesco, há apenas duas sociedades arrecadadoras. Em grandes países europeus existe apenas uma, como no Brasil. Só mesmo o Ecad, com a capilaridade que tem, para conseguir rastrear a execução de músicas de seus associados.

Ou melhor, dos filiados às nove associações que formam o escritório. Criado por lei, em 1973, o Ecad passou a funcionar três anos depois e detém o monopólio legal da arrecadação e distribuição dos direitos autorais de músicas.

Nos últimos nove anos e meio, em que o PT e aliados controlam o Ministério da Cultura, a posição oficial sobre os direitos autorais oscilou em pêndulo. Na gestão de Gil/Juca Ferreira, na Era Lula, houve simpatia pelo uso de mecanismos novos de licenciamento de obras (Creative Commons), criticados por muitos, pois, na prática, precarizam o direito autoral. No governo Dilma, com a ministra Ana de Hollanda, até mesmo o selo do Creative Commons foi retirado do site do MinC - onde jamais deveria ter sido colocado.

No governo anterior, quando a visão estatista era mais proeminente no MinC, chegou-se a propor algum tipo de ingerência estatal no Ecad. Não ocorreu, mas esta possibilidade continua presente, pois é velho cacoete nacional receitar doses de estatismo quando se supõe haver falta de controle e transparência em alguma atividade.

A ideia de uma intervenção estatal na atividade acaba de ser ressuscitada pelo deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), dentro do espírito de propostas feitas no período Lula. O projeto de lei apresentado por Fonteles aproveita grande parte do texto enviado ao Congresso ainda no tempo de Juca Ferreira no ministério.

A bandeira do intervencionismo também foi erguida na CPI do Ecad, encerrada no final de abril no Senado, quando se incluiu no relatório da comissão uma proposta de projeto de lei para instituir uma supervisão estatal sobre a arrecadação de direitos autorais.

A ministra Ana de Hollanda enviou à Casa Civil, há sete meses, um novo projeto de legislação para os direitos autorais. O tempo corre, surge um vácuo, e ele começa a ser ocupado por iniciativas como a do deputado do PT do Piauí e da CPI.

Não passam de mais um equívoco derivado do velho cacoete. Não se deve permitir qualquer redução da independência do Ecad. Ao contrário do que se imagina, o estatismo leva a menos transparência, com o risco de começar a haver influência política, partidária e ideológica na administração dos direitos autorais. Seria desastroso.

Se há desconfianças sobre a administração do Ecad, a melhor alternativa é instituir uma auditoria externa profissional nas contas do escritório. Assim fazem as melhores empresas. Colocar o Estado, de alguma maneira, dentro do Ecad é tornar tudo ainda mais nebuloso.