Título: Aprovada com o pé no acelerador
Autor: Pariz, Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 17/09/2009, Política, p. 7

Minirreforma eleitoral que passou por votação simbólica na Câmara rejeitou quase todas as mudanças propostas pelo Senado, abriu caminho para os fichas-sujas e oficializou doações ocultas.

Os deputados fizeram de tudo para aprovar, em votação simbólica, a reforma eleitoral a tempo de valer para o pleito do ano que vem. E, conforme o Correio antecipou na edição de ontem, encontraram um caminho simples: rejeitar quase todas as mudanças propostas pelo Senado e acatar apenas a liberação da cobertura das campanhas em sites de internet. Voltaram ao texto o voto em trânsito e a impressão de um percentual de votos das urnas eletrônicas com o objetivo de conferência do resultado. Esses pontos haviam sido derrubados pelos senadores. Mas foi mantida a restrição para debates realizados na internet.

A votação da minirreforma eleitoral foi marcada pelo açodamento. A pressa dos parlamentares tinha como desculpa o prazo exíguo para a nova lei valer já no pleito do ano que vem. Mas os reais motivos dos deputados não eram tão aparentes. O texto aprovado pelos deputados favorece os políticos ¿fichas-sujas¿, oficializa as ¿doações ocultas¿ e permite que candidatos com ¿erros¿ nas prestações de contas concorram com aval do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Agora, basta o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionar o projeto de lei até 3 de outubro para as regras entrarem em vigor.

Falta de discussão

O líder do PSDB, José Aníbal (SP), criticou a falta de debate em torno da reforma eleitoral. ¿Estamos expondo o Parlamento e jogando fora o que foi construído no Senado. No mais, jogando fora e impedindo a Câmara de discutir melhor essa matéria. Não tivemos um bom tempo de discussão. Essa votação não dá clareza¿, disparou José Aníbal, que acabou sendo açoitado pelos colegas. Mas acabou prevalecendo a opinião da maioria dos parlamentares.

Estamos expondo o Parlamento e jogando fora o que foi construído no Senado¿

José Aníbal, líder do PSDB na Câmara

Contra o relógio

Veja exemplos que motivaram a pressa dos deputados

Ficha suja Candidatos que respondam a processos criminais podem se candidatar. Os deputados sequer analisaram um projeto de lei que regulamentaria os termos ¿reputação ilibada¿ e ¿idoneidade moral¿.

Doações ocultas Os doadores de campanha podem escolher injetar dinheiro nos partidos e não diretamente nos candidatos. É uma forma de esconder o vínculo do doador com o concorrente.

Registro de candidatura O projeto considera candidato em dia com a Justiça Eleitoral aquele que apenas apresentar as contas partidárias. Não é mais necessária a aprovação das contas. Erros considerados ¿irrelevantes¿ serão perdoados.

Conheça algumas das mudanças acatadas

Mandato Foi rejeitada a convocação de eleições diretas nos dois últimos anos de mandatos de governadores e prefeitos cassados por crime eleitoral. No caso, caberá às Assembleias Legislativas e às Câmaras Municipais escolher o sucessor. A eleição direta só ocorrerá na primeira metade do mandato.

Divulgação de obras Está proibido ao candidato comparecer, nos três meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras públicas e assinatura de ordem de serviço. O prazo do Senado era de quatro meses.

Voto impresso O Senado havia rejeitado a impressão dos votos pelas urnas eletrônicas para possibilitar uma auditagem da votação. A Câmara retomou o texto.

Internet quase livre

Para acelerar a votação da minirreforma eleitoral ontem, os deputados pediram a intervenção do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), para resolver a demora dos servidores em entregar o texto pronto à Câmara. Por uma questão burocrática, uma proposta legislativa precisa ter o texto consolidado e revisado para seguir para a votação em outra Casa. Dependendo do tamanho do documento, esse processo pode levará até uma semana.

Pelo texto aprovado pelo Senado e mantido pela Câmara, a internet terá ¿livre manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores¿ e ¿outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica¿. A proposta garante direito de resposta e diz que as representações pela utilização indevida da rede ¿serão apreciadas na forma da lei¿.

A legislação anterior permitia a campanha apenas nos sites dos candidatos. As mudanças aprovadas pelo Congresso permitem que o concorrente tenha blogs, páginas de redes sociais e se expresse na web até o dia da eleição.

Os deputados retiraram do texto a emenda do senador Pedro Simon (PMDB-RS) que previa que os candidatos tivessem ¿reputação ilibada¿ e ¿idoneidade moral¿. Sequer debateram uma proposta que estabelecesse os critérios para essas exigências aos concorrentes.

Acabaram, também, com a ideia de sempre convocar eleição direta quando houver cassação de mandato por crime eleitoral de governador, prefeito e vices. Ficou mantida a proposta de estender às Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais a prerrogativa de escolher o sucessor em caso de a perda do mandato ocorrer nos dois últimos anos. (TP)

Debates com restrições Rodolfo Stuckert/Agência Câmara A votação foi marcada pela pressa, o que não impediu que houvesse momentos tensos no plenário da Casa

Na votação de ontem, os deputados insistiram em manter um ponto de restrição: a internet terá de seguir a mesma regra de rádio e televisão para a realização de debates. Sites de notícias que decidirem realizar o confronto de ideias serão obrigados a chamar todos os concorrentes de partidos com representação na Câmara. E, desse total, pelo menos dois terços terão de concordar com as regras impostas.

O deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) disse que a proposta não é uma forma de censura. ¿Isso é democracia. Todos os candidatos terão direito a voz¿, afirmou o parlamentar, relator da minirreforma eleitoral na Câmara. O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) criticou a proposta. Para ele, a internet não pode ser colocada no mesmo balaio de concessões públicas. ¿A internet não tem a mesma regra de TV e rádio. Não podemos aplicar à internet às mesmas regras da concessão pública¿, disse o parlamentar do Rio de Janeiro.

O relator do projeto de lei disse que as regras só se aplicam às páginas de grandes veículos de comunicação. ¿Os blogueiros, por exemplo, poderão chamar quem quiser¿, afirmou Dino.

Os deputados rejeitaram também emenda que possibilitava candidatos a presidente a comprar espaços publicitários nos principais sites de notícias. Uma emenda de autoria do PSDB pedia a volta da publicidade paga e tinha apoio do DEM. O relator do projeto disse ser contra a proposta. Ela havia sido rejeitada em votação simbólica, mas o líder do PSDB, José Aníbal (SP), requisitou votação nominal. Mas a emenda acabou mesmo sendo derrubada, por volta das 23h.

Tensão

A votação da minirreforma teve momentos bastante tensos. Num deles, houve discussão acalorada entre José Aníbal e o deputado ACM Neto (DEM-BA). O tucano subiu na tribuna para criticar a pressa de seus colegas em votar a matéria. Neto o questionou do plenário e fora dos microfones. Houve um princípio de discussão, contido pelos outros parlamentares. (TP)