Título: Consultas a duras penas com plano de saúde
Autor: Elisa Alves, Maria
Fonte: O Globo, 12/06/2012, Rio, p. 16

O chá de cadeira, uma provação quase obrigatória nas antessalas de consultórios médicos, ganhou mais um endereço. Agora, ele acontece também perto do telefone: basta tentar marcar uma consulta, com a carteirinha do plano de saúde nas mãos, para se deparar com uma longa espera, que, dependendo da especialidade e do profissional escolhido, pode chegar a seis meses. Para ter uma ideia do problema, repórteres do GLOBO telefonaram, semana passada, para 50 médicos do Rio de Janeiro, todos credenciados pelas principais operadoras do país, para perguntar qual o primeiro horário disponível para atendimento. Foram escolhidos, de forma aleatória, consultórios de diversos bairros, como Barra da Tijuca, Centro, Copacabana, Ipanema, Botafogo, Tijuca e Méier, e, independentemente do endereço, o resultado foi pouco animador.

Planos se popularizam com rede credenciada igual

Somente seis dos 50 doutores, de áreas tão diferentes quanto ginecologia, clínica médica, pediatria, angiologia, otorrinolaringologia, entre outras especialidades, tinham vaga para a mesma semana. Se forem contabilizados sete dias úteis, a situação melhora um pouco: 15 médicos poderiam atender. Pediatria e clínica geral foram as especialidades com demora maior. Um clínico com consultório na Tijuca, que atende às sextas-feiras, da manhã ao fim da tarde, só tinha disponibilidade para o dia 7 de dezembro, seis meses e cinco dias depois da tentativa de marcação de consulta. Dos 11 pediatras consultados, quatro tinham horário em até sete dias úteis. O restante podia oferecer atendimento em prazos que variavam de nove a 47 dias úteis.

Para a presidente do Conselho Regional de Medicina, Márcia Rosa de Araújo, a culpa está longe de ser dos médicos. Para ela, a demora na marcação - um problema que antes só afetava quem dependia do sistema público de saúde - é resultado de uma conta desigual: enquanto os planos de saúde ganham cada vez mais clientes ( no ano passado, o crescimento do setor ficou em 10%), a rede credenciada não cresce na mesma proporção.

- Com a ascensão das classes C e D, os planos têm cada vez mais clientes, mas não aumentam o time de médicos credenciados. As operadoras lucram mais, só que continuam oferecendo o mesmo número de consultas e exames - diz Márcia.

Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar mostram que, em setembro de 2007, havia no Estado do Rio 4.559.325 pessoas com plano de saúde. Em dezembro do ano passado, já eram 6.032.586. A agência não informou os dados sobre a rede credenciada, mas Márcia calcula que ela esteja estagnada em cerca de 15 mil médicos, que recebem dos planos no máximo R$ 62 por consulta.

A presidente do Cremerj lembra que o sofrimento não é somente dos pacientes. Os médicos também encontram dificuldades para trabalhar:

- Eu sou cirurgiã plástica. Se, semana que vem, abrir espaço na minha agenda e eu quiser operar um paciente, dificilmente vou conseguir um hospital. Os planos de saúde represam o número de atendimentos para ter total controle dos custos - lamenta.

Segundo Márcia, tem sido uma dificuldade credenciar médicos novos.

- Os recém-formados não conseguem entrar. E, para piorar, agora os planos exigem que o médico credenciado seja pessoa jurídica para que a operadora pague menos impostos.

A choradeira da categoria é acompanhada pela dos pacientes. Repórteres do GLOBO foram, na semana passada, para a porta de um centro médico, em Botafogo, conversar com quem saía de consultas. Nádia Ferreira, por exemplo, reclamou por ter levado dois meses e meio para conseguir marcar uma consulta com sua gastroenterologista. E apontou ainda outro problema.

- Tem médico que tem duas agendas. Uma para o pessoal do plano de saúde e outro para o paciente particular. Adivinha qual anda mais rápido - disse Nádia. - Às vezes, é tão difícil que você acaba desistindo se os sintomas não forem graves.

Demora na marcação

atrasa diagnóstico

Rosane Albuquerque, que tentou marcar uma consulta para a filha, com problemas na tireoide, só encontrou vaga na endocrinologista que ela queria para o fim de agosto. Os exames que a adolescente precisa fazer são outro capítulo da novela, que começou em fevereiro:

- Até agora não conseguimos fechar o diagnóstico. Para marcar um exame, levei quase um mês. O resultado veio 35 dias depois. Agora, para conseguir consulta, é outro problema. Quanto tempo vai demorar?

Repórteres do GLOBO tentaram marcar em duas clínicas de radiologia exames de raios-X simples (do tórax e dos seios da face). Só conseguiram para 17 dias e 11 dias úteis depois do telefonema - um prazo em que uma gripe pode virar pneumonia. Em casos como estes, o paciente deve botar a boca no trombone. Uma resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), publicada em dezembro do ano passado, estipulou prazos máximos para que as operadoras garantam aos seus clientes atendimento em consultas, exames e cirurgias. Isso quer dizer que se um paciente tentar marcar um exame cujo prazo máximo para espera é de dez dias, como os de raios-X, e for informado que só há vaga, em todos os credenciados, para dali a dois meses, deve procurar o seu plano de saúde, que é obrigado a dar uma solução. Se o consumidor não for atendido deve, com o número de protocolo de atendimento do plano, procurar a ANS (telefone 0800-701-9656), que pode multar a operadora.