Título: Nove horas de negativas
Autor: Lima , Maria
Fonte: O Globo, 13/06/2012, O País, p. 3

Em depoimento que durou quase nove horas, marcado pela presença maciça da tropa de choque do PSDB e por bate-bocas, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), negou que tenha proximidade com o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, mas não deu autorização para a CPI quebrar seus sigilos bancário, fiscal e telefônico.

Apesar de a Polícia Federal ter apontado no inquérito da Operação Monte Carlo que o bicheiro teria indicado vários integrantes para seu governo, Marconi negou e disse que as escolhas ocorreram por conta de ligações partidárias. Ele recorreu a números para dizer que, apesar dos grampos telefônicos realizados pela PF, sua voz só aparece uma vez, parabenizando Cachoeira por seu aniversário. O governador admitiu que jantou duas vezes com o contraventor, mas fez questão de qualificá-lo sempre como empresário, e não como bicheiro.

- Senhores e senhoras parlamentares: 30 mil horas de gravações, três anos de gravações, nenhuma ligação do senhor Carlos Cachoeira para mim, para o meu telefone, para o meu gabinete. Apenas uma ligação minha de cumprimento pelo seu aniversário - disse Perillo, logo de início.

Sobre a participação de 34 policiais no esquema de Cachoeira, apontada pela PF, o governador também minimizou:

- Meu estado conta com 12 mil policiais militares em atividade, três mil policiais civis em atividade. Desses, 34 foram envolvidos nessa operação.

A respeito da polêmica negociação da casa no condomínio Alphaville, o governador voltou a dizer que vendeu o imóvel para o ex-vereador Wladimir Garcez e que pegou três cheques dele. Perillo afirmou não ter prestado atenção sobre de quem eram os cheques e disse se arrepender por isso. Ele declarou que se arrependeu também da transação imobiliária.

- Se eu soubesse que a venda desta casa geraria tanta confusão, tanto desconforto, eu teria continuado a morar nela, jamais teria pensado em vendê-la.

Vítima de perseguição

Embora tenha procurado não entrar em debate partidário, Perillo disse que se sentia vítima de perseguição política. Coube aos parlamentares do PSDB, que compareceram em peso para blindar o colega, afirmar que o PT queria envolver o governador com Cachoeira por conta de vingança, já que o tucano, em 2005, alertara o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o mensalão. No final, ao responder ao deputado Luiz Sérgio (PT-RJ), o governador goiano deu a estocada:

- Eu peço que a CPI, que tem um trabalho sério para fazer daqui para a frente, não corrobore com a opinião de alguns de que esta CPI possa servir de cabo de chicote para combater a imprensa, o procurador-geral da República, o governador de Goiás e alguns desafetos. E a gente sabe que, se depender de algumas pessoas, isso acontecerá. Nunca imaginei que, por causa de dar um aviso, isso poderia resultar na minha vida tanto ódio e tanta perseguição.

Petistas e tucanos se dividiram sobre a avaliação do depoimento. Para o relator, deputado Odair Cunha (PT-MG), ainda há muita contradição nas afirmações do governador:

- Marconi deu a versão dele para os fatos. Temos que continuar as investigações. Em algum momento podem justificar a quebra dos sigilos. Vamos analisar isso na quinta-feira.

Já o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) avaliou que seu colega não deixou qualquer pergunta sem resposta.

- O objetivo do PT era que o Marconi se desgastasse politicamente. O desgaste houve, mas ele não deixou absolutamente nada sem contestação e terá tempo de se recuperar politicamente.

A seguir, os principais pontos do depoimento:

CASA: Ele voltou a afirmar que vendeu o imóvel para o ex-vereador Wladimir Garcez e recebeu três cheques, que foram depositados em sua conta-corrente nos dias 2 de março, 4 de abril e 2 de maio do ano passado. Depois, disse que Garcez a repassou para o professor Walter Paulo Santiago e, para dar garantia de que a mansão era sua, enviou seu assessor especial, Lúcio Fiúza, junto com Wladimir. Segundo Perillo, Fiúza apenas assinou o recibo e não pegou qualquer dinheiro.

- Meu representante não recebeu qualquer valor na negociação da casa com Walter Paulo. Vendi a casa no valor do mercado para Wladimir Garcez. Não recebi duas vezes pelo imóvel.

O tucano, no entanto, admitiu que, quando vendeu a casa para Wladimir, não lhe entregou qualquer recibo nem fez contrato algum, uma vez que já o conhecia há mais de 20 anos. O governador ressaltou por diversas vezes que "vendeu uma propriedade sua e não um bem do estado".

CACHOEIRA: De acordo com o governador, ele jantou duas vezes com Cachoeira e falou por telefone com ele apenas uma vez. Nos jantares, segundo contou, tratou de subsídios para a indústria farmacêutica e de assuntos prosaicos, como comida e futebol.

- Nesse contato informal, ouvi do convidado explicações sobre um pedido de incentivos fiscais, que ele já havia me feito no gabinete.

MENSALÃO: Perillo irritou-se quando o deputado Felipe Pereira (PSC-RJ) lembrou que a CPI dos Bingos, em 2004, já apontava Cachoeira como bicheiro. O deputado o indagou se ninguém o avisara da condição de Cachoeira. Pereira também fez uma comparação com o episódio do mensalão, quando Lula negava que soubesse das irregularidades.

- O foco desta CPI não é o mensalão. Não vou voltar a esse tema. São águas passadas. Não guardo rancor. Cumpri meu papel à época. Em assuntos que desconheço, não posso fazer nada - disse.

DELTA: Ao responder a perguntas do relator Odair Cunha (PT-MG), o governador disse que o estado tem apenas 4% de contratos assinados com a Delta, num total de R$ 51 milhões, contra R$ 64 milhões do governo anterior. Ele afirmou também que o ex-vereador Garcez nunca tratou com ele sobre assuntos relacionados à Delta, mas que tinha conhecimento de que ele procurou algumas pessoas do governo. Garcez é apontado pela PF como a pessoa que levava ao governo os pleitos de Cachoeira.

JORNALISTA: Perillo também negou que o radialista Luiz Carlos Bordoni tenha recebido, por intermédio de Cachoeira, por serviços prestados na campanha eleitoral em 2010. O jornalista, que cuidou das gravações de programas de rádio de Perillo, disse que um cheque de R$ 40 mil, da Alberto & Pantoja, foi depositado na conta de sua filha como forma de pagamento.

- Ele terá oportunidade de apresentar as provas ou aqui ou na Justiça. Cabe a ele, como acusador, o ônus da prova - disse o governador, ressaltando que ajuizou ação por calúnia, injúria e difamação contra o jornalista.