Título: Futuro do euro nas urnas gregas
Autor: Berlinck , Deborah
Fonte: O Globo, 17/06/2012, Economia, p. 37

Ao elegerem hoje os políticos que vão governar o país, os gregos estarão diante de um dilema: escolher entre a dor de reformar inteiramente o país para ficar com o euro ou o caos de uma volta à moeda nacional, a dracma. Seja qual for a escolha, os gregos vão sofrer durante anos, concordam analistas ouvidos pelo GLOBO. Para a Europa, porém, esta eleição pode ter um significado ainda mais dramático: uma eventual saída da Grécia da zona do euro, provocada pela escolha política dos eleitores, poderá marcar o início do fim da moeda única.

Diante da gravidade da situação, líderes europeus, como a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente do Eurogrupo, Jean Claude Juncker, deixaram a diplomacia de lado e exortaram os eleitores da Grécia a rejeitarem nas urnas os esquerdistas radicais.

Sem citar nomes, eles se referiram ao candidato do partido Syriza, Alexis Tsipras, que anunciou que rasgará o acordo que possibilitou ao país receber ajuda da União Europeia (UE). Merkel disse que Atenas terá que cumprir sua parte no acordo, isto é, aplicar as impopulares medidas de austeridade: — Por isso que é tão importante que as eleições gregas conduzam preferencialmente a um resultado no qual aqueles que vão formar um futuro governo digam: "sim, nós manteremos os compromissos firmados" — disse Merkel A chanceler alemã conversou ontem por telefone sobre as eleições gregas e a crise da zona do euro com o presidente da França, François Hollande.

A assessoria de Hollande afirmou que a conversa foi "produtiva" e "construtiva", mas não deu detalhes.

— Se a esquerda radical vencer, algo que não pode ser descartado, as consequências para o euro são imprevisíveis — disse, por sua vez, Juncker. — Teremos de conversar com qualquer governo. Só posso prevenir contra a saída da moeda única. A coesão da zona do euro ficaria em perigo.

Melhor que a Grécia permaneça no euro, aconselha Diego Iscaro, economista do Global Insight, em Londres: — Se a Grécia sair, será difícil prever as consequências. Mas não podemos subestimar a capacidade de a Europa decepcionar. Se a resposta não for robusta e factível, o contágio pode levar ao fim da zona do euro.

Daniel Gros, diretor do Centro de Estudos de Políticas Europeias (Ceps, na sigla em inglês), em Bruxelas, sustenta que se a Grécia sair do euro o calote da dívida é certo. Em seus cálculos, o país credor que mais vai perder com isso é, ironicamente, o que mais precisa: Portugal, que perderia 5,4% do PIB, contra apenas 0,3% da Alemanha, 2,1% da França, 2,2% da Itália e um percentual igual para a Espanha. Quanto à Grécia, ela veria seu PIB de C 215 bilhões ser reduzido à metade. Mas, com a moeda desvalorizada, as exportações da Grécia dobrariam para C 85 bilhões.

Pesquisadores do BAK Basel, na Suíça, simularam dois cenários para a saída da Grécia. Se isso causar um efeito dominó, o PIB suíço cairá 4,2% nos 12 primeiros meses. Mas se o bloco se mantiver relativamente intacto, o PIB recuará 1,1% nos 12 primeiros meses.

Caos e fuga de capital na Europa l

Num momento em que crescem as retiradas das contas bancárias e a população já começa a estocar alimentos, esperando o pior, os especialistas concordam em pelo menos um ponto: para os gregos, não há saída fácil.

— Difícil ver um cenário positivo na Grécia. Se permanecer no euro, a economia continuará contraindo e o desemprego, subindo. Mas se sair as consequências serão piores, sobretudo nos dois primeiros anos — diz Iscaro.

Na eleição de 6 de maio, nenhum partido conseguiu mais de 20% de apoio. Os partidos tradicionais foram derrotados, os extremistas à direita e à esquerda triunfaram, e as tentativas de coalizão fracassaram. Agora, a Europa eleva o tom da ameaça: não aceita renegociar os acordos que exigem reformas fiscais na Grécia. É uma clara mensagem ao Syriza.

Nicolas Véron, do instituto Bruegel, em Bruxelas, relativiza as ameaças dos dois lados: — Está claro que vai haver negociação entre a UE e o novo governo para revisão do programa (de reformas). A questão é quão longe ela irá e o que vai ser negociado. O futuro da Grécia e da zona do euro vai ser determinado pelo que acontecer após a eleição, e não pela eleição.

Véron também tem dúvidas se a Europa conseguirá evitar o contágio da crise, se a Grécia sair. Mas acha que imaginar a desintegração da zona do euro "é prematuro".

— Não sabemos o que pode acontecer.

A desintegração é uma possibilidade.

Mas também pode haver uma crise com resolução bem-sucedida. Não é tarde para resolver a crise.

Para evitar o contágio, ele sugere, primeiro, um compromisso claro que mantenha a Grécia na zona do euro e a reestruturação do sistema bancário do bloco, com garantia de depósitos nos países mais frágeis. Os bancos europeus estão frágeis há quatro anos, diz, e se as decisões certas não forem tomadas, a Europa corre o risco de viver o seu "momento Lehman" (referência ao banco Lehman Brothers, cuja falência desencadeou a crise de 2008). Para Véron, todo mundo — até o Brasil — tem que estar preocupado com a crise da Europa.

O cenário do caos é o que teme a economista grega Miranda Xafa, exfuncionária do Fundo Monetário Internacional (FMI) e hoje candidata às eleições pelo Drasi, partido neoliberal grego. Se o Syriza vencer agora as eleições e cumprir sua promessa de campanha, Miranda prevê o pior: — Vai ser o caos. Os fundos da UE e do FMI vão parar, e a Grécia será empurrada para fora da zona do euro.

Tsipras adotou um discurso mais conciliador na reta final da campanha, ao dizer que não quer que a Grécia saia da zona do euro. Mas Miranda não crê nas intenções do rival: — Está claro que o senhor Tsipras não tem a menor intenção de implementar as reformas.

Para Iscaro, se a extrema esquerda ganhar na Grécia, mais cedo ou mais tarde o país sairá da zona do euro, e as consequências serão imprevisíveis.

— Os mercados estão se preparando.

A exposição dos bancos (europeus) à economia grega ou à dívida grega tem caído fortemente nos últimos dois anos. As consequências para a zona do euro vão depender do tipo de política que vão adotar para limitar o contágio. Acho que haveria uma corrida a bancos em Espanha, Itália, Portugal e até na Irlanda.

Zsolt Darvas, outro economista do instituto Bruegel, alerta que a Europa não está preparada para a saída da Grécia e prevê uma "fuga de capital massiva em Portugal, Espanha, Irlanda e possivelmente Itália" se isso ocorrer. Para ele, a Europa está diante de uma decisão crucial: — Será o início do fim do euro ou o início de um novo euro, se os europeus formarem uma união bancária e uma maior integração fiscal