Título: CPI libera forças difíceis de controlar
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Fonte: O Globo, 15/06/2012, Opinião, p. 6

A CPI do Cachoeira tem conhecidas deformações de origem, por ter sido criada - e não poderia ser de outra forma - com a aquiescência da base parlamentar do governo.

Mesmo que, segundo consta, o Planalto preferisse não correr o risco de ter esta comissão no Congresso, o grupo petista ligado a Lula vislumbrou, com grande senso de oportunidade, a chance de atingir adversários com o resultado de investigações da PF sobre as articulações do contraventor goiano no mundo da política. A tentação foi irresistível, por se tratar de ano eleitoral

O primeiro e mais visível alvo era o senador Demóstenes Torres, ainda do DEM goiano, conhecido arauto da moralidade no Congresso e denunciante de estripulias éticas de petistas. Hora do troco. (Espera-se que o senador, hoje sem partido, seja de fato cassado, como exemplo de punição a quem atua no Estado em nome de organizações criminosas.) Também seria hora de alvejar um tucano de farta plumagem, o governador Marconi Perillo, de Goiás.

Perillo desagradou a certos petistas quando, no estouro do escândalo do mensalão, em 2005 - caso que o então presidente da República garantiu desconhecer -, afirmou ter alertado o próprio Lula para a existência do esquema. Outro troco.

Entre os danos colaterais da CPI, na hipotética avaliação de um estrategista deste núcleo do PT, o maior seriam estilhaços de Carlinhos Cachoeira sobre o governador de Brasília, Agnelo Queiroz. Este, também como Perillo, apanhado pela PF na teia de articulações do contraventor. O desdobramento dos fatos é prova que, neste balanço de perdas e danos, deve-se ter concluído que valeria a pena correr o risco de se empurrar para o patíbulo o governador, um petista jejuno, ex-militante do PCdoB, filiado ao partido para concorrer, e vencer, as eleições brasilienses de 2010.

Mas a comissão de Cachoeira confirma a velho ditado de que "CPI, sabe-se como começa, não se sabe como termina". Não devia estar nos planos dos maquiavélicos insufladores da instalação das investigações no Congresso que a Delta, principal empreiteira do PAC, terminasse surpreendida em situações comprometedores assim que algumas luzes foram acesas nos porões do esquema de Carlinhos Cachoeira. A empreiteira de Fernando Cavendish promete ser um arquivo excitante de traficâncias com políticos e, talvez, autoridades. Explica-se a dificuldade de a CPI, controlada pela base governamental, avançar no tema.

Há uma força de gravidade própria nas CPIs. Perillo não quis oferecer a quebra de seus sigilos bancário, telefônico etc. Teve de admiti-lo depois que Agnelo Queiroz o fez. E, mesmo que não desejasse, ontem a CPI formalizou a abertura destas informações de ambos.

À margem da CPI, o Ministério Público Federal decidiu, com fundadas razões, pedir ao STJ para investigar os dois governadores. Afinal, o tucano não consegue explicar o imbróglio da venda de uma casa, numa operação em que aparece Cachoeira; e o petista enfrenta a mesma dificuldade para provar que a velocidade supersônica da ampliação de seu patrimônio se deve a méritos financeiros próprios.

Enquanto claques de tucanos e petistas se enfrentam no octógono da CPI, procuradores e promotores precisam mesmo agir. Provas, indícios, vestígios de falcatruas com dinheiro público não faltam em toda esta história. Aprendizes de feiticeiros parecem ter liberado forças de difícil controle.