Título: Estados turbinados para inflar PIB
Autor: Valente , Gabriela
Fonte: O Globo, 16/06/2012, Economia, p. 25

Em reunião com 23 governadores e quatro vices, no Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff anunciou na sexta-feir um conjunto de medidas para estimular os investimentos nos estados e turbinar o crescimento do país, que ficou estagnado no primeiro trimestre. O carro-chefe desse esforço é uma linha especial de crédito de R$ 20 bilhões do BNDES oferecida aos estados, com juros subsidiados de até 8,1% ao ano, prazo de 20 anos, um ano de carência e fácil acesso. Além disso, o governo adotou medidas para estimular as parcerias público-privadas (PPPs) e anunciou que ampliará mais uma vez o limite de endividamento dos estados, abrindo espaço para novos empréstimos, o que já foi feito no ano passado.

— Acho que é a maior linha de crédito que já foi criada para os estados — disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que na quarta-feira antecipara ao GLOBO a decisão de liberar mais de R$ 10 bilhões do BNDES.

Veja também

País já começou o segundo trimestre estagnadoPIB "vai merecer medalha", diz Dilma em encontro com atletas

Na reunião fechada com os governadores e vices, a presidente Dilma cobrou o empenho na empreitada em favor do crescimento e manifestou preocupação crescente com a crise na Europa. A presidente disse que "não vê luz acesa no fim do túnel para a crise europeia", segundo relataram participantes do encontro. A declaração foi confirmada pelo governador do Espírito Santo, Renato Casagrande:

— A preocupação da presidente e do ministro Guido Mantega em relação à crise internacional é tão grande que me surpreendeu. Ela disse que pela primeira vez não vê luz acesa no fim do túnel para a Europa e que a crise já chegou ao Brasil. A presidente nos pediu foi para continuar incentivando o consumo e trabalhar para aumentar os investimentos — disse Casagrande.

BNDES: Tesouro pode fazer aportes

Segundo interlocutores, a frase da presidente teria sido completada por um aparte bem-humorado do ministro Mantega:

— Me permita, presidenta, mas há luz no final do túnel. Só que é de uma locomotiva vindo no sentido contrário — brincou.

Mesmo assim, a mensagem do governo federal de que a crise oferece riscos ficou clara para os governadores.

— O extrato desta reunião é a visão clara dela que a crise europeia não está perto do fim e que nós temos que nos preparar. E a melhor forma de nos preparar é apostar em consumo e em investimento como formas de a gente manter nossas taxas de crescimento — disse o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT)

Mantega disse que não faltarão recursos ou empenho para azeitar novos projetos dos estados. A União está disposta a dar aval para todas essas operações e, nesse caso, os empréstimos serão contratados com TJLP (6% ao ano), mais 1,1% ano ano, mas se os estados quiserem agilizar ainda mais o desembolso poderão ter acesso à linha do BNDES pagando TJLP, mais 2,1% ao ano de encargos.

No caso das PPPs, as empresas que firmarem parcerias com os estados ficarão isentas da cobrança de PIS/Cofins e Imposto de Renda (IR) sobre a receita que recebem desses entes. O governo também ampliou o limite dos estados para contratar PPPs, de 3% para 5% da receita corrente líquida.

O BNDES também poderá receber novos aportes de recursos do Tesouro, se necessário, segundo o ministro, embora Mantega tenha ressaltado que agora não vê necessidade de reforço.

O ministro salientou que as medidas anunciadas pelo governo têm efeito anticíclico neste momento em que a economia mundial atravessa um período de crise e garantiu que já devem surtir efeitos este ano. Os recursos do BNDES serão liberados mediante a apresentação de projetos de investimento pelos estados, que terão prazo até 31 de janeiro de 2013 para contratar os empréstimos. Mas os desembolsos não têm prazo para ocorrer.

— Essa medida já vai ter resultado este ano. Até o fim do ano, os estados já poderão sacar esses recursos — disse Mantega.

Detalhes da linha de crédito serão definidos em resolução do CMN

Os detalhes da nova linha de crédito serão definidos em resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN). A ideia é que sejam utilizados os critérios de população e do Fundo de Participação dos Estados (FPE) para distribuir os recursos entre os estados. Haverá limites para melhor distribuir os recursos, destacou Mantega.

A presidente fez um apelo aos governadores para que ajudem a aprovar a extensão do Regime Especial de Contratação (RDC) para as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Senado e adotem o modelo nos estados. Um apelo especial foi feito aos governadores de São Paulo e Minas Gerais para que ajudem a convencer suas bancadas da importância da medida.

— A presidente disse que a crise é grave e pode se aprofundar. E que o anúncio de hoje era uma das medidas anticíclicas para enfrentar a crise. Segundo a presidente, é preciso estimular o consumo de um lado e os investimentos, de outro — disse o governador do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB).

O anúncio de liberação da linha de crédito foi bem recebido pelos governadores, mas ainda há diversas queixas. A negociação em torno da mudança do indexador da dívida dos estados e as dificuldades de investimento por causa da burocracia foram as principais reclamações dos governadores na reunião com a presidente. Em relação ao indexador das dívidas, o ministro Mantega informou que o assunto não foi tratado nesse encontro, mas está "ficando maduro" para a discussão e deve ser pauta da próxima reunião com governadores.

Na visão de analistas do mercado, os recursos do BNDES são importante para ampliar os investimentos, mas só terão efeitos sobre o crescimento a partir do ano que vem.

— O BNDES é um banco de fomento. É a ferramenta que eles têm. Cumpre a missão da instituição. Só acho que o governo está fazendo muita coisa ao mesmo tempo. Isso incentiva a economia, mas demonstra certo desespero. Não inverte de forma alguma o PIB para 2012. Vai ter efeito mais pronunciado para o ano que vem — disse o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito.

Enquanto o Planalto anunciava o pacote de estímulo, economistas e representantes de instituições financeiras se reuniram com representantes do Banco Central (BC). Segundo fontes, o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton, tentou acalmar os ânimos e levantar as expectativas. Ele teria dito que a crise atual não será tão dramática quanto a de 2008, quando a economia mundial sucumbiu após a quebra do banco Lehman Brothers. O diretor teria garantido que a autarquia já mapeou os riscos e se esforçou para passar tranquilidade aos analistas.