Título: O risco do vazio
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 19/06/2012, Economia, p. 20

O Brasil jogou a toalha. O documento da Rio+20 será mais fraco do que o imaginado no cenário pessimista. A crise econômica bloqueou as soluções para salvar o futuro. Por outro lado, a China - com a ajuda do Brasil - tenta manter o passado. Há 20 anos, a China era 4,3% do PIB global, e os Estados Unidos, 22,7%. Hoje, os chineses são 15%, e os americanos, 18,8%. Países que já cresceram querem privilégio de quando eram pequenos.

Em 1992, estabeleceu-se o princípio das "responsabilidades comuns porém diferenciadas". Isso dava aos países pobres e aos países em desenvolvimento um tratamento diferenciado e jogava mais peso, com justiça, nos mais ricos. Quem tinha emitido mais no passado pagava a conta, depositava recursos nos fundos, assumia o papel de "tradicional" doador. Os outros receberiam e teriam responsabilidades menores.

Perfeito para a época. Vinte anos depois, tudo mudou. Veja o gráfico abaixo das emissões de gases de efeito estufa da China e dos Estados Unidos. Em 1990, uma enorme distância separava os dois países; em 2005, a China passou os Estados Unidos. Obviamente que a hora é, de fato, de flexibilizar esse princípio, para que os países emergentes, especialmente os Brics, participem mais do financiamento aos países pobres na transição para uma economia sustentável.

A grande briga, no entanto, foi para reafirmar o princípio das "responsabilidades comuns porém diferenciadas". E lá está ele escrito, explicitamente, e mais de uma vez, como inegociável, nas várias versões do texto. Países de renda média, como bem disse o economista Jeffrey Sachs neste jornal, podem e devem assumir mais responsabilidades.

No texto negociado, falta quase tudo. Mas, principalmente, faz falta uma proposta concreta sobre o fundo que se pensava criar no Rio. Os governantes vão apenas "reconhecer a necessidade" de que existam formas de financiamento, que ele envolva fontes variadas, como os órgãos multilaterais - leia-se FMI e Banco Mundial -, e criam um comitê intergovernamental de trinta especialistas que vão desenvolver estratégias de financiamento até 2014.

Isso parece pouco. E é. A explicação dada pelos negociadores do texto tão aguado é que, diante da situação de crise econômica em que o mundo vive, seria irreal falar de recursos adicionais aos que os "tradicionais doadores" já se comprometeram a aportar em outros fundos.

A Rio+20 estabeleceria os objetivos de desenvolvimento sustentável. Agora se sabe que os governantes vão se comprometer a ter objetivos no futuro mas não estará claro quais serão. Extraoficialmente se sabe que seriam metas sobre áreas como água, energia, transportes, cidades e oceanos. O fundo seria criado aqui. Agora se sabe que ele terá uma arquitetura financeira a ser proposta pelo painel intergovernamental. Outra intenção era criar no Rio um órgão para comandar as negociações de sustentabilidade. Agora, já se sabe que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) será fortalecido e que haverá no texto a possibilidade de elevar seus poderes em algum momento. Também no futuro.

No começo da negociação, estava quase certo que os países se comprometeriam a negociar uma legislação complementar do Direito do Mar, cobrindo áreas internacionais. Ontem, o embaixador Luiz Alberto Figueiredo admitiu, na conversa com os jornalistas, que também este ponto está encrencado. Claro que ele não fala a palavra encrencado. Na linguagem dos diplomatas, é assim: "O tema oceanos continua sendo negociado, mas exigirá um esforço mais intenso."

Figueiredo também disse que a negociação seria concluída ontem mesmo. Ela já está na prorrogação, porque oficialmente acabou na sexta-feira. Na delegação brasileira falava-se que poderia encerrar à meia-noite, "mas o conceito de meia-noite é bem elástico".

Negociam-se palavras em uma sucessão de consultas bilaterais, ou com grupos de países, para tornar mais sólido um texto que foi emagrecido pelo Brasil. Inicialmente, a lipo tinha razão de ser: era para tirar as redundâncias. Em seguida, o Brasil passou a tirar tudo o que era controverso, pela razão explicada pelo ministro Patriota ao GLOBO de ontem. Ele disse que "se deixar muitos pontos em abertos, não se conclui nada". Se todos os pontos em aberto forem retirados acabam as polêmicas, mas fecha-se um acordo sobre nada.