Título: Jogo para quem tem poder
Autor: Viveiros, Luciano
Fonte: O Globo, 19/06/2012, Opinião, p. 7

O projeto de lei 2.916/11, do deputado federal Hugo Leal (PSC/RJ), possibilita eleições “diretas já” ao Conselho Federal da OAB. Atualmente, as seccionais e subseções vivenciam processo eleitoral com votação direta. Mas, para a OAB Nacional, o candidato tem que ser votado por uma espécie de colégio eleitoral formado por presidentes de seccionais (estados) e conselheiros federais. Na verdade, trata-se de uma eleição que atende aos interesses políticos dos atuais líderes da entidade.

Ocorre que o nobre parlamentar, sem abandonar a origem do seu nome, legisla impulsionado por uma candidatura embrionária liderada pelo presidente da seccional do seu próprio estado. E, com este aliado no Congresso, o tal candidato vem promovendo um movimento intitulado de “Diretas já na OAB". Este movimento, fruto de uma inteligente jogada de marketing, tenta resgatar o verdadeiro Diretas Já que comoveu o país nos idos 80 em favor da emenda Dante de Oliveira.

Abstraindo-se os interesses em jogo, roga-se por um rasgo de lucidez e transparência que será fundamental para garantia das tradições democráticas que sempre pautaram a Ordem do Advogados do Brasil.

Se o acaso do destino nos levasse a essa eleição direta, estaríamos diante de um risco iminente de minar o Poder Judiciário tal qual o Poder Executivo vem apodrecendo neste episódio em que o sr. Cachoeira aparece como “financiador” de vários governos de Estado. Ora, quanto custaria uma eleição para presidente da OAB Nacional? Como percorrer do Oiapoque ao Chuí para apresentar-se a mais de 700.000 advogados em uma campanha semelhante à de presidente da República? Com custo aproximado de 100 milhões de reais, quem financiaria tal campanha?

As respostas seguem rápido, só para quem pensa.

No lugar do sr. Cachoeira, todo enrolado com ações no Judiciário, muito importante seria ter acolhida nos tribunais superiores junto a desembargadores e ministros indicados pelo Quinto Constitucional da OAB. Melhor, exatamente, por meio dos candidatos a quem houvera financiado. Enfim, para quem for capaz de preencher cargos na administração ou tocar obras públicas com interesses escusos e — por consequência — fazer o mesmo no Judiciário, Também, para as entidades vinculadas a partidos políticos que pretendem aparelhar o Estado. Enfim, um jogo para quem tem dinheiro e poder.

Na primeira dor de cabeça, ninguém recorre a uma cirurgia no cérebro. Antes, um ou dois comprimidos; uma ou duas consultas médicas; exames e mais exames; uma ou duas tomografias; e, por fim, a cirurgia. Temos pela frente permitir aos presidentes de subseção da OAB votar para presidente da entidade nacional. Possibilitar a existência de um colégio eleitoral nas seccionais. Permitir a outras organizações representativas de advogados como Abrat, IAB e sindicatos votar. Registre-se: há tantas outras coisas para se fazer nessa seara —inclusive defender as eleições diretas ao Quinto Constitucional da OAB e tê-lo, também, no Primeiro Grau de Jurisdição.

Acreditamos numa sincera reflexão, antes de nos abarcarmos numa aventura desastrada que desague por qualquer “cachoeira”.

Navegar é preciso, dizia o poeta Fernando Pessoa.

Luciano Viveiros é a dvogado e professor de Direito