Título: Maconha estatal no Uruguai
Autor: Sorano, Vitor
Fonte: O Globo, 21/06/2012, O Mundo, p. 31

Governo Mujica lança proposta de legalização da venda controlada pelo Estado

O governo do Uruguai, país onde o consumo de maconha é descriminalizado, anunciou ontem um programa contra a violência que inclui a legalização do comércio da droga, que será controlado pelo Estado. A ideia é criar um registro de consumidores, que poderão comprar legalmente a maconha - um modelo inédito entre as políticas de entorpecentes adotadas no mundo. Os dois objetivos centrais são combater o consumo de pasta base de cocaína, menos utilizada e mais problemática, e a violência associada a ele.

- É uma medida que vem sendo analisada e que pode ser implementada de diversas maneiras - afirmou o vice-presidente Danilo Astori.

A proposta foi embalada com um conjunto de medidas apresentadas ontem pelo Gabinete de Segurança do governo uruguaio. O documento, batizado de "Estratégia pela Vida e Convivência", prevê a "legalização regulada e controlada da maconha" como parte de uma "abordagem integral" do problema das pessoas afetadas pelo consumo de drogas. O presidente José "Pepe" Mujica, que enfrenta uma queda de 20 pontos percentuais na popularidade, deve transformar a iniciativa em projeto de lei e enviá-la ao Congresso, onde o seu partido, a Frente Ampla, tem maioria.

Segundo a proposta do governo, serão criados estabelecimentos autorizados a vender a droga e cadastrados os consumidores habilitados à comprá-la. Esse sistema guarda semelhanças com o que passou a ser utilizado em algumas partes da Holanda em maio, onde até então a venda - desde a década de 1970 - era tolerada sem necessidade de se fazer um registro do comprador.

- Não vai ser como o cigarro. A venda não será livre, estará regulada pelo Estado - disse um parlamentar.

Uma das principais diferenças seria a limitação no volume que poderá ser adquirido - 40 cigarros por mês por usuário. Quem cometer excessos deverá se submeter à reabilitação. Os impostos arrecadados serão destinados ao tratamento, e o governo se responsabilizará pela certificação da qualidade da droga.

Além do Uruguai, na América Latina, apenas Brasil, Equador, México, Peru, Bolívia, Colômbia e Costa Rica descriminalizaram o porte de maconha para uso pessoal. A abordagem mais progressista encontra resistência dos EUA - favoráveis a políticas mais restritivas - que barraram a discussão do tema na última cúpula das Américas, em abril.

Consumo no país é superior à média

O consumo de maconha no Uruguai é um dos mais elevados da América do Sul e vem crescendo, segundo os últimos dados disponíveis da Junta Nacional de Drogas do país e do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc). Em 2011, 8,3% da população uruguaia entre 15 e 65 anos haviam usado a droga nos 12 meses anteriores à pesquisa - mais do que a média mundial de 2,8% a 4,5%, mas menos do que nos EUA (13,7%) e no Canadá (12,6%). Em 2006, o índice uruguaio era de 5,5%. No Brasil, o dado do último relatório da Unodc, referente a 2005, é de 2,6%.

A pasta base, que o governo uruguaio visa a combater, tem um uso marginal no país - 1,1% da população fez uso dela em toda a vida e 0,4% nos 12 meses anteriores, segundo os dados da Junta. Mas os impactos são mais graves em termos de saúde e, segundo o governo, de segurança pública.

Enquanto sinais de dependência foram identificados em 16,6% dos que usaram maconha nos 12 meses anteriores, no caso da pasta base - assim como o crack, um subproduto da cocaína mais prevalente entre populações mais vulneráveis - esse índice sobe para 53%, de acordo com a Junta. Com a transposição da maconha do mercado negro para o regular, diz a imprensa local, o governo espera distanciar os usuários dos pontos de venda ilegais onde a pasta base é oferecida.

Por outro lado, a pasta base é relacionada ao aumento da criminalidade, sobretudo a pequena, num país onde os jovens são responsáveis pela maioria dos delitos, segundo Mujica.

- Estamos buscando caminhos para enfrentar da melhor maneira possível o consumo de pasta base que tanto dano já causou ao Uruguai nos últimos anos e que está tão associado ao aumento do crime em nosso país - disse o vice-presidente Astori.

O senador Jorge Larrañaga, do oposicionista Partido Nacional, ironizou:

"Fala-se da vida e se quer legalizar a venda de uma droga. Droga contra droga? Luta-se contra o tabaco e se legaliza a venda de maconha."

Juan Vaz, do Movimento pela Liberação da Cannabis, diz não ver problemas no cadastramento dos usuários.

- Hoje já ocorre o mesmo com medicamentos. Não vejo tanta diferença.

Mas entre alguns profissionais de saúde, a proposta encontrou resistência. Pesquisador do tema há três décadas e diretor de centros de reabilitação, o psiquiatra Fredy da Silva considera que a lei é "inconveniente" do ponto de vista médico.

- Ninguém que tenha estudado o assunto é a favor. A maconha tem sérios efeitos sobre a saúde física e mental - disse ao GLOBO. - O único aspecto positivo é que os usuários estariam cadastrados, facilitando o tratamento.

Com o "El País" do Uruguai, do GDA