Título: A armadilha do cartão de crédito
Autor: Szajman, Abram
Fonte: Correio Braziliense, 17/09/2009, Opiniõ, p. 35

Presidente da Federação e do Centro do Comércio do Estado de São Paulo e dos conselhos regionais do Sesc, do Senac e do Sebrae de São Paulo.

O Congresso Nacional avalia no momento nada menos do que oito projetos de lei que pretendem, de alguma maneira, modificar, corrigir, melhorar e disciplinar uma das indústrias mais rentáveis do país ¿ a dos cartões de crédito ¿ com faturamento superior a R$ 220 bilhões no ano passado, correspondentes ao valor das compras de produtos e serviços realizadas por sua respeitável rede de mais de 10 milhões de clientes. Na maratona legislativa, os projetos têm em comum o objetivo de nivelar os braços da balança do sistema de meios de pagamento eletrônico, pois um deles pende, acentuadamente, a favor das administradoras de cartões. Um desnível que traz prejuízos enormes para os usuários, consumidores, lojistas ou prestadores de serviços.

Na outra ponta, o Banco Central propõe, sob sua óptica de especialista, a reestruturação do sistema dentro de parâmetros e critérios que permitam aos diferentes agentes o usufruto equânime dos benefícios gerados pelos meios de pagamentos eletrônicos. O duopólio exercido pelas administradoras no credenciamento da venda, o montante elevado do investimento exigido para a aquisição de equipamentos exclusivos ao atendimento de cada bandeira e a excessiva disponibilidade de capital de giro para bancar altos custos operacionais são, para a autoridade monetária, os entraves a serem removidos.

Superados esses obstáculos, um sistema mais democrático e menos dispendioso daria fim à tradicional repetição, ao longo dos anos, de um enredo sobejamente conhecido: 1. Juros elevadíssimos e altas taxas de administração gerando formidável lucro às bandeiras; 2. Lojistas e prestadores de serviços trabalhando com custos altos e margens apertadas; 3. Nenhum benefício direto ou indireto aos consumidores. Na visão do BC, é possível democratizar o credenciamento de lojistas e prestadores de serviços, além de reduzir os custos operacionais para os filiados, mediante o fim da exigência de que atendam cada uma das bandeiras com equipamentos exclusivos. Posto isso, o coroamento do processo inovador estaria consolidado no momento em que o BC, por força de lei específica, assumisse a regulação do sistema.

Análise da Fecomercio sobre a situação atual do crédito no país, fundamentada em números e outras informações do BC, revela que financiamentos com taxas de juros mais altas são os mais usados pelos tomadores em razão da escassez de linhas tradicionais mais baratas. No primeiro trimestre deste ano, o aumento do volume de crédito foi de 7% no cheque especial e de 24% no cartão de crédito, quando comparado a igual período de 2008. Esses créditos custaram, respectivamente, 169,1% e 237,93% ao ano. À falta de opção racional, busca-se uma saída irracional para honrar o compromisso inadiável. Daí o cartão de crédito e o cheque especial concentrarem 64% de todo o crédito concedido no primeiro trimestre de 2009.

A consequência imediata dessa postura foi o aumento do endividamento e da inadimplência do consumidor ¿ 65% das famílias paulistanas estão endividadas via cartão de crédito, conforme detectou recente Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), da Fecomercio. O quadro é preocupante, pois aumento de endividamento com empréstimos de altíssimo custo, de forma generalizada, além de resultar em inadimplência crescente, retira das famílias a capacidade de consumo até que elas consigam normalizar seu orçamento doméstico. Dados do BC dão conta de que o prazo para pagamento da fatura do cartão de crédito pelo consumidor, que sempre esteve ao redor de 30 dias, atingiu 62 dias nos meses de junho e julho (100% mais do que a média histórica). Como resultado, a inadimplência e os juros superiores a 200% ao ano levam à deterioração da qualidade do endividamento familiar.

Há, ainda, outro fator importante. Nos últimos 10 anos o pagamento com cartão cresceu 367%. A captação de clientes saiu do eixo econômico São Paulo/Rio e agora conquista, fora dos grandes centros urbanos, amplos contingentes das classes C e D, beneficiadas, nos últimos tempos, com aumentos reais de renda. Esse consumidor precisará, com certeza, de algum tipo de proteção até estar familiarizado com o uso de cartões.

Em resumo, é urgente desativar essa armadilha que submete o consumidor aos juros mais altos do mundo ¿ quando usa o crédito rotativo ou atrasa o pagamento da fatura ¿ e compromete a rentabilidade do comerciante, obrigado a pagar altas taxas de administração e a esperar demasiado para receber o valor das vendas. Tanto o Legislativo quanto o BC devem agir com a presteza necessária para preservar essa moderna forma de pagamento das distorções que se verificam e que só tendem a aumentar se nada for feito.