Título: Juiz é ameaçado enquanto CPI se omite
Autor:
Fonte: O Globo, 22/06/2012, Opinião, p. 6

Éingênuo pensar que um esquema como o do contraventor Carlinhos Cachoeira reúne apenas "criminosos de colarinho branco", estelionatários que usam do conhecimento e contatos na máquina pública para surrupiar o contribuinte. É isso, mas não apenas.

O noticiário sobre ameaças a juízes, e pelo menos a uma promotora, levanta o véu sobre outro aspecto dessas quadrilhas, principalmente quando atuam na jogatina: a existência de braços armados nos grupos. Talvez não haja no Brasil algo mais próximo das máfias europeias, articuladas no outro lado do Atlântico, que os bandos com raízes fincadas na exploração do jogo, hoje basicamente eletrônico. Como as máfias, são bem conectados no mundo político e empresarial.

O caso de Carlinhos Cachoeira/Delta já reunia muitos desses ingredientes: espionagem eletrônica, tráfico de influência nos Três Poderes, uma empreiteira (Delta), parlamentares, à frente deles um senador (Demóstenes Torres). Faltava a tropa de choque, e ela apareceu.

Até ontem, fez uma vítima: o juiz Paulo Augusto Moreira Lima. Ele preferiu se afastar depois de ser ameaçado. Outro juiz, Leão Aparecido Alves, alegou impedimento, ao ser descoberto indício grave de que sua mulher teria alertado o grupo de Cachoeira sobre ações da PF. Em seguida, o alvo foi o Ministério Público, em que um e-mail anônimo tentou atemorizar a procuradora Léa Batista, de Goiás, terra de Cachoeira.

A quadrilha subiu de patamar na ousadia, talvez estimulada pela paralisia da CPI, na qual oposição e situação, com exceções, fazem apenas uma guerra político-partidária. Passa longe da comissão o cuidado em aprofundar investigações de um esquema capaz de não apenas se infiltrar no Estado, mas ameaçar agentes públicos responsáveis por zelar pelo estado de direito. Deputados e senadores envolvidos nesta disputa míope se tornam, a partir destas ameaças, coniventes com aqueles que possam atentar contra a vida de juízes, promotores, procuradores. É grave assim.

A CPI do Cachoeira não trata de "apenas" um assalto aos cofres públicos, como o cometido pelos "anões do Orçamento". Trata de um assalto aos cofres públicos, mas por um grupo mafioso típico, com atuação em vários ramos da criminalidade. Toda vez que um agente público é ameaçado, quanto mais da Justiça e do Ministério Público, a segurança de todos na sociedade fica abalada. Se tribunais e o MP não puderem defender o cidadão de qualquer ameaça, aproximamo-nos da barbárie.

Não é forçado lembrar o assassinato da juíza Patrícia Acioli, em Niterói, nem o do juiz Antônio José Machado Dias, no interior de São Paulo. Os dois contrariaram interesses de quadrilhas especializadas em crimes diferentes dos cometidos pelo contraventor e asseclas, mas morreram pelo mesmo motivo: insistirem em cumprir a lei. As investigações de Patrícia sobre milícias e a posição dura, como deve ser, de Antônio José contra a organização que controla presídios paulistas são comparáveis à ação da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça contra a quadrilha goiana. O objetivo da bandidagem, nessas circunstâncias, é sempre o mesmo: paralisar os agentes públicos.

No caso de Cachoeira ele já conta com o poderoso apoio governamental na CPI, temerosa do que pode sair da caixa-preta da Delta, do Dnit etc.