Título: A responsabilidade do Estado e do funcionário
Autor: Falcão, Joaquim
Fonte: Correio Braziliense, 17/09/2009, Opiniã, p. 35

Diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (RJ) e membro do Conselho Nacional de Justiça

Pouco a pouco o diagnóstico foi sendo feito. Levou anos, mas a verdade apareceu. Está aparecendo. Chegou ontem à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados o parecer do relator deputado Antonio Carlos Biscaia sobre o novo projeto de ação civil púbica para tutela dos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Esse projeto é decisivo para o cidadão, para o Judiciário e para a democracia. É inovador. Aponta para caminhos inevitáveis. Caminhos há anos esperados. O principal dele diz respeito à responsabilidade do Estado e do funcionário público diante dos cidadãos.

Desde 1983 estava em gestação. Primeiro, com os juristas do porte de um Kazuo Watanabe, Ada Grinover e Barbosa Moreira. Mais recentemente, foi agilizado pelo Ministério da Justiça, na Secretaria da Reforma do Judiciário. Este ano, foi incluído no Pacto da Justiça e enviado ao Congresso pelo Executivo. Depois de a Casa Civil ter alterado alguns itens fundamentais. Na Câmara, vai começar a tramitar e ser votado.

A verdade, e um dos problemas com que lida, é sobre os meios que as empresas e os cidadãos têm de se defender quando a administração pública comete ilegalidades que atingem a milhares, milhões, seja nos interesses individuais homogêneos, iguais, seja nos interesses difusos e coletivos. Um desses meios é a ação civil pública com ajuda do Ministério Público. Biscaia é procurador. Foi procurador-geral no Rio de Janeiro. Conhece os caminhos.

São as ações contra o Fisco e contra a Previdência se não o maior pelo menos um dos maiores fatores de lentidão e sobrecarga na Justiça. Sobretudo nos juizados especiais. Milhões de ações, que no mínimo exigem que o Poder Judiciário esteja preparado: maiores orçamentos, mais juízes, mais servidores. Se cada contribuinte ou cada pensionista tiver que entrar individualmente, como hoje ainda, contra o Estado, o Judiciário e o cidadão arcam com custos que não são seus e a Justiça dificilmente é feita, pelo menos a tempo. Agora, o projeto permite ações civis públicas contra os fiscos ¿ municipal, estadual e federal e a Previdência.

Não é à toa que a Casa Civil, cedendo aos interesses da Previdência e do Fisco, mudou o projeto original do Ministério da Justiça, não permitindo ação civil pública contra essas entidades. Biscaia retoma o projeto original. Mais ainda, diz o projeto em seu artigo 28: ¿O juiz poderá impor multa pessoal ao agente público ou representante de pessoa jurídica de direito privado responsável pelo cumprimento da decisão que impôs a obrigação, observados a necessidade de intimação pessoal e contraditório prévio¿.

E assim justifica: ¿(a atual) responsabilização da pessoa jurídica de direito público ou privado se mostra ineficaz e iníqua. São exemplos claros os casos que envolvem o poder público: ao se penalizar a entidade, a multa somente poderá ser executada por meio de um precatório e provavelmente muito tempo depois que o responsável pelo descumprimento da decisão judicial tiver deixado o cargo público ou mandato eletivo¿.

Esse é um dos efeitos perversos do sistema de precatórios. Não há estímulo para reponsabilizar o Estado, pois quem ganha leva como prêmio um precatório. Essa é uma inovação capaz de mudar e estimular a eficiência do Estado. A discussão não é mais sobre mais ou menos Estado. Mas sobre um Estado mais ou menos eficiente. A responsabilização por eventuais erros e ilegalidades, dentro do devido processo legal, é o principal meio de busca da eficiência, ao lado de um funcionalismo com progressão de carreira, salários competitivos e estímulos de desempenho. Mas, sem um Estado eficiente e funcionários responsabilizáveis, inexiste democracia. Biscaia abre uma discussão há muito necessária.