Título: Preservar as instituições no Paraguai
Autor:
Fonte: O Globo, 23/06/2012, Opinião, p. 23

Um processo de impeachment contra um presidente eleito é o último recurso institucional numa democracia e, como tal, deve cumprir todos os ritos constitucionais e jurídicos. A Constituição do Paraguai prevê o juízo político do presidente da República e de outros altos funcionários públicos "por mau desempenho de suas funções, por delitos cometidos no exercício do cargo ou por delitos comuns".

No caso do julgamento político do presidente Fernando Lugo, encerrado ontem, merece registro a rapidez com que se processou o rito, de certa forma traumático para a ordem institucional. Senadores apresentaram a acusação contra o presidente na quinta-feira por supostos mau desempenho das funções, vínculos com grupos guerrilheiros e por propiciar um conflito social no país. Imediatamente, a Câmara dos Deputados se reuniu e por, 76 votos contra apenas um, aprovou o início do processo. Ontem, o Senado cassou o mandato de Lugo, eleito em 2008. Os senadores deram menos de 24 horas para ele preparar a defesa, quase rito sumário. O presidente teria duas horas para apresentar sua argumentação ao plenário, mas preferiu deixar a tarefa aos advogados. A velocidade exibida pelo Legislativo para afastar Lugo do cargo preocupa os que desejam ver preservada a democracia na América Latina. A Unasul, instituição que, a exemplo do Mercosul, adotou a cláusula democrática, imediatamente enviou a Assunção uma delegação, chefiada pelo chanceler brasileiro Antônio Patriota, para verificar in loco a evolução dos acontecimentos. O Departamento de Estado americano informou que "estava preocupado e acompanhando de perto a situação". Sua porta-voz acrescentou que "obviamente, queremos que qualquer solução desse assunto seja consistente com a democracia no Paraguai e com a Constituição paraguaia". Sem dúvida. A trajetória pessoal e política de Fernando Lugo sempre foi conturbada. Ele veio do movimento de esquerda ligado à igreja progressista, e não representa as forças políticas tradicionais do país, governado por 61 anos seguidos pelo Partido Colorado, conservador (1947-2008). Nunca contou com o apoio da classe política. E teve problemas de toda ordem, desde escândalos de filhos nascidos ainda em sua época de bispo católico até conflitos agrários, que vêm de antes de seu mandato, entre proprietários de terra brasileiros (os brasiguaios) e sem-terra paraguaios nas áreas de fronteira com o Brasil. O presidente sempre esteve na mira dos políticos tradicionais, à espera da melhor chance para afastá-lo do cargo. Isso não atenua erros de Lugo. Nem o vice-presidente, Federico Franco, escondia as desavenças com ele. O ex-bispo ficou ainda mais enfraquecido com a decisão do PRLA, principal integrante da coalizão que o levou ao poder, de abandonar o governo. E o estopim foi o conflito de Curuguaty, no último dia 15, quando seis policiais paraguaios e 11 sem-terra morreram numa desastrada operação de reintegração de posse. Para deputados e senadores, foi a prova final da "inoperância do governo", o que justificaria sua destituição. Não se trata de manter Lugo no cargo a qualquer preço, como defendem aliados bolivarianos - Venezuela, Bolívia, Nicarágua, Equador e certamente alguns altos funcionários em Brasília -, nem aceitar o atropelamento da ordem jurídica para afastá-lo. Trata-se de atuar para que a Carta, as instituições e a democracia sejam respeitadas. Sob este prisma é que o impeachment precisa ser analisado. Sem bravatas ideológicas.