Título: Comissão da Verdade de SP quer anular decreto de Maluf
Autor: Gama, Júnia
Fonte: O Globo, 20/06/2012, O País, p. 3

Texto de 79, ainda em vigor, formalizava instalação do DOI-Codi em terreno do governo estadual

SÃO PAULO . A Comissão da Verdade de São Paulo quer anular o decreto do então governador Paulo Maluf, atual deputado federal pelo PP, que formalizou a instalação do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) em um terreno do governo de São Paulo. Assinado a poucos dias da promulgação da Lei da Anistia, em 1979, o decreto 13.757, que ainda vigora, formalizava o uso do terreno pelo II Exército onde existia um centro de tortura. Como deputados petistas mais à esquerda têm assento na Comissão da Verdade de SP, esse assunto está apimentando ainda mais o conturbado apoio de Maluf à campanha do petista Fernando Haddad à prefeitura de SP. Os petistas mais à esquerda torcem o nariz para a entrada de Maluf na aliança.

O imóvel, de 1,59 mil metros quadrados, fica na Vila Mariana e hoje é usado pelo Departamento de Homicídios como pátio de carros velhos e abastecimento de combustível. Está situado no antigo prédio do DOI-Codi na Rua Tutóia e é considerado pelos ex-presos políticos como o porão dos porões da ditadura, onde as pessoas eram separadas em quartos sem janelas para serem mortas.

Feita de madeira e isopor, uma pequena placa denuncia o passado do prédio. A placa "OB2" indica a vaga de estacionamento do segundo militar da cadeia de comando da Operação Bandeirantes, a Oban, que antecedeu o DOI-Codi.

- A "OB1", eu tirei para dar de lembrança para um amigo, que trabalhou na Oban- conta um dos policiais que trabalham no pátio do DHPP e que preferiu não se identifcar.

O mesmo policial mostra parte do estacionamento e aponta:

- Aqui ficavam as celas, aqui mataram o Vlado (Vladimir Herzog, em 1975). Durante a noite, ninguém passa por aqui porque tem barulho. Toca até sirene. Ficar aqui à noite dá medo.

O imóvel tem ainda um sobrado de dois andares onde, segundo os ex-presos políticos, os detentos eram escondidos para a tortura e a morte.

- Fazer um decreto para oficializar um lugar onde a tortura ocorria é uma espécie de "operação limpeza", feita quando a Lei da Anistia já havia sido aprovada - afirma Ivan Seixas, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.

Ivan e seu pai, Joaquim Seixas, foram presos nas dependências do DOI-Codi. Joaquim acabou morto. Há dois anos, Ivan pediu o tombamento do complexo que serviu ao DOI-Codi, mas a proposta ainda está sob análise.

- Todos sabiam o que ocorria ali. Os vizinhos ouviam os gritos das pessoas sendo torturadas. Muitos protestavam, começavam a gritar da rua. O que Maluf tentou fazer foi a oficialização de uma coisa ilegal - critica Ivan.

O presidente da Comissão da Verdade estadual, deputado Adriano Diogo, também ficou preso no DOI-Codi . Ele é o autor do projeto de lei que pede a revogação do decreto de Maluf:

- O decreto foi uma afronta à Lei da Anistia, que já havia sido aprovada pelo Congresso. Essas instalações eram, já à época, fartamente documentadas como núcleos de tortura.

Procurado, Maluf não se manifestou.