Título: Privilégio atrás das grades
Autor: Moraes, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 12/09/2009, Brasil, p. 10

Associações que representam magistrados prometem pressionar o Congresso para que não aprove projeto que acaba com prisão especial concedida a juízes e promotores

O presidente da AMB, Mozart Valadares, é favorável à prisão especial: ¿No caso do magistrado, é uma questão de segurança ficar separado dos outros presos¿

O Senado terá de enfrentar a pressão de juízes e procuradores para aprovar o projeto de lei que acaba com a prisão especial para magistrados e integrantes do Ministério Público. Associações que representam essas categorias farão uma ofensiva no Congresso a partir da semana que vem para tentar convencer os parlamantares a derrubar a proposta. Se não funcionar, prometem recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que o benefício não seja extinto.

O projeto que acaba com a prisão especial para juízes e membros do Ministério Público foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na quinta-feira. Agora, segue para votação no plenário da Casa. Se aprovado, ainda precisa passar na Câmara. A proposta partiu dos próprios parlamentares, o que tem sido alvo de questionamento pelos magistrados. Para eles, mudanças desse tipo só podem ocorrer se o projeto de lei for de iniciativa do Poder Judiciário ¿ nesse caso, do Supremo e da Procuradoria Geral da República. Além disso, a categoria argumenta que a mudança pode colocar os profissionais em risco.

O Código de Processo Penal garante prisão especial para autoridades como ministros, governadores, prefeitos, parlamentares, oficiais das Forças Armadas, portadores de diploma universitário, magistrados e membros do Ministério Público. O texto assegura a essas pessoas o direito de cumprir prisão preventiva ¿ ou seja, antes da condenação definitiva ¿ em cela separada de outros presos.

Em abril, o Senado aprovou um projeto que modifica a lei e faz com que a prisão especial seja aplicada apenas em situações específicas, como em caso de risco de morte para o detido, por exemplo, sem levar em conta a função ou cargo que ele ocupa. A matéria ainda aguarda votação na Câmara. Mas, por restrições jurídicas, os senadores tiveram que elaborar um projeto separado para o caso dos juízes e procuradores.

Os magistrados apostavam na rejeição do projeto na CCJ do Senado. Como isso não ocorreu, começam a reunir argumentos para contestá-lo antes da votação no plenário. A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) vai entregar uma nota técnica aos senadores na semana que vem para defender a derrubada da proposta. ¿Um juiz numa cela com outros criminosos, eventualmente até algum que ele tenha colocado ali, não resistiria um dia contra a perseguição dos próprios presos¿, argumenta o diretor da Ajufe Marcello Enes Filgueira.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, diz que vai pedir ao Senado que faça audiências públicas antes de colocar o projeto em votação. ¿Uma coisa é privilégio. Outra é garantia. Uma pessoa com diploma universitário ter prisão especial é um privilégio porque não é justo ele receber tratamento especial só porque teve acesso à educação, em detrimento de outro que não teve. No caso do magistrado, do procurador ou até de um agente de polícia, é uma questão de segurança ficar separado dos outros presos¿, afirma.

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) promete recorrer ao Supremo caso a proposta vire lei. ¿Ela é claramente inconstitucional porque modifica a Lei Orgânica do Ministério Público e a Lei Orgânica da Magistratura e, pela Constituição, a iniciativa de mudar essas regras deve partir do presidente do STF e do procurador-geral da República e não do Congresso. Se ela prosperar, vamos entrar com uma ação no Supremo¿, afirma o presidente da entidade, José Carlos Cosenzo.

Na contramão dos protestos, o voto pelo fim da prisão especial partiu do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que é promotor do Ministério Público. ¿Nada justifica a manutenção do privilégio da prisão especial apenas para magistrados e membros do Ministério Público. A prisão especial só se justifica como medida excepcional para a preservação da vida, o que depende do exame das circunstâncias do caso concreto. Urge, pois, a extinção desse acintoso privilégio¿, escreveu no relatório aprovado na quinta-feira pela CCJ. O diretor da Ajufe contesta: ¿No caso dos magistrados e promotores, há uma razão de ser, para o resguardo da vida. Não precisaria analisar caso a caso.¿

Na Câmara

Os líderes de partidos devem iniciar a discussão do projeto ainda este mês e a expectativa é colocá-lo em votação no plenário até o fim do ano. ¿Com certeza podemos votá-lo antes do recesso. Acho que tudo o que trata de assuntos do Código Penal deve ser prioridade. Ainda não sei qual será o posicionamento do governo, mas pessoalmente sou favorável ao fim da prisão especial¿, afirma o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).

Enquanto o Senado discute o tema, a Câmara articula para votar nos próximos dias o projeto que acaba com a prisão especial para as outras categorias previstas no Código de Processo Penal. A proposta tramita em regime de urgência e o relator do texto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, José Eduardo Cardozo (PT-SP), deu parecer favorável à prisão preventiva em cela separada apenas para presos que estiverem em risco. Se o texto for aprovado pelos deputados em plenário, segue para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.