Título: A ameaça da generosidade de políticos
Autor:
Fonte: O Globo, 06/07/2012, Opinião, p. 6

O Congresso tem uma natural tendência de gerar despesas, e este é um dos motivos pelos quais há uma série de normas, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, para conter os desvios mais irracionais - inclusive do Executivo. O presidente conta, ainda, com o recurso do veto, caso a situação, no plano legislativo, entre de vez no campo da irracionalidade. É o que começa a acontecer, com o encaminhamento de uma série de propostas - algumas novas, outras antigas - cujo resultado, reconhece o próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, será a quebra do Estado. Sem qualquer dúvida.

É provável que o fato de 2012 ser ano de eleições excite de forma especial a capacidade criadora de políticos no campo do gasto desenfreado, sem qualquer relação com a vida real. Até mesmo o presidente da Câmara, o gaúcho Marco Maia, do partido da presidente Dilma, tem trabalhado a favor da gastança.

As cifras são assustadoras, tem razão o ministro, e ameaçam a administração das contas públicas a partir de várias frentes. Uma é a do funcionalismo, segmento privilegiado no Brasil - segundo reportagem recente do GLOBO, em 88% das profissões o servidor público ganha salário mais elevado do que o pago, à mesma função, na iniciativa privada. E sem considerar a vantagem da estabilidade no emprego.

As corporações de servidores têm apoio no Congresso. Um caso é o do Judiciário, onde já são pagos - assim como no Ministério Público - salários muito elevados. Pois o governo luta para evitar a inclusão no Orçamento de uma proposta que, na média, concede um aumento de mais de 30%, com alguns casos em que o reajuste ultrapassa os 50%, um descalabro. Só nesta revisão de salários já bastante generosos do Judiciário seria remetida ao contribuinte uma conta extra de R$ 7 bilhões por ano. Outra bomba-relógio instalada na contabilidade pública é a emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias, LDO, de 2013, de autoria do relator Carlos Valadares (PSB-SE), destinada a permitir aumentos automáticos de servidores, nos três Poderes, até o limite de R$ 10 bilhões. Ora, trata-se de meio Bolsa Família. Negociou-se uma nova redação para facilitar a rejeição pelo Executivo. Mas a emenda existe.

Guido Mantega lembrou, com propriedade, que a folha de pagamento da União, com encargos, chegou a R$ 200 bilhões. Só é comparável à Previdência e ao pagamento de juros da dívida interna - em queda, devido aos cortes na Selic.

Outra ameaça constante, e reativada de tempos em tempos, como agora, é a proposta do fim do "fator previdenciário", amortecedor da tendência à aposentadoria precoce no INSS. Como não existe no Brasil limite de idade para a obtenção do benefício, aposenta-se relativamente cedo. Conjugado com o benéfico aumento da expectativa de vida da população, este fato tende a levar as já deficitárias finanças do INSS à grave crise, em prejuízo das próximas gerações. Com razão, o governo só admite o fim do "fator" se o limite de idade for aprovado.

É injusto responsabilizar apenas parlamentares por este surto de irresponsabilidade fiscal. Na verdade, o grupo político no poder desde 2003 aplainou o terreno para esta crise aguda de autismo no Congresso, ao acostumar partidos a frequentar o balcão do toma lá dá cá do fisiologismo. Assim, perderam a noção da realidade. Para eles não há crise mundial, nem a economia interna padece de forte anemia.