Título: Política ambiental que vai na contramão
Autor: Santos, Danielle
Fonte: Correio Braziliense, 12/09/2009, Brasi, p. 12

Assentamentos do Incra ainda dão dor de cabeça quando o assunto é desmatamento

Carvoarias clandestinas em pleno funcionamento na cidade de Niquelândia (GO): destino do produto era o mercado ilegal de Brasília e de Minas Gerais

Niquelândia (GO) ¿ Depois de anunciar em 2008 que os assentamentos do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ocupavam o topo da lista dos 100 maiores desmatadores da Amazônia por três anos consecutivos, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, voltou à polêmica do mau uso dessas áreas, desta vez no cerrado.

Durante uma operação realizada ontem para combate ao desmatamento do bioma ¿ que faz parte de uma série de ações do governo lançada na última quinta-feira ¿, o ministro constatou que a falta de fiscalização ativa por parte do Incra vem colaborando para os índices negativos da devastação. Só no assentamento Aranha, no município de Niquelândia (GO), visitado por ele, foram identificados 20 pontos de carvoarias ilegais espalhadas em torno dos 1 mil hectares de terras doadas pelo governo.

O assentamento foi criado há 13 anos e abriga 24 famílias assentadas que vivem teoricamente da pecuária num espaço de 1 mil hectares. Mas é da queima ilegal das árvores nativas da reserva legal (1)que muitos pais de família se sustentam, com a fabricação de carvão. ¿Uso os fornos há pouco mais de um ano. É apenas um bico que estou fazendo, porque aqui o trabalho está difícil, às vezes não tem nem água para o gado e para cozinhar. Agora, com a derrubada dos meus fornos, seja o que Deus quiser¿, lamenta o assentado Joverson de Souza. Na propriedade dele, o Ibama destruiu seis fornos e recolheu quatro toneladas de lenha, além de 1,5 tonelada de carvão. O destino do produto, segundo o assentado, era o mercado ilegal de Brasília e de Minas Gerais.

O agricultor Joaquim Salgado também foi surpreendido pela operação enquanto se preparava para mais um dia de produção de carvão pirata. Ele arrendava um terreno dentro de uma propriedade particular, da qual queimava a madeira extraída de assentamentos em 17 fornos construídos por ele.

Casos como o de Joaquim e Joverson serão inibidos, segundo o Minc, com apoio do Ibama e do Incra, que se responsabilizarão em ajudar as famílias com R$ 200 mensais para o incentivo ao replantio em áreas degradadas e manutenção de corredores ecológicos. Mas a iniciativa modesta não conseguirá concorrer com a realidade dos assentados, que obtêm muito mais lucros na ilegalidade. ¿Aqui, tiro cerca de R$ 1 mil e pago conta de luz, supermercado, enquanto que na lavoura a gente planta milho, feijão e arroz só para ajudar a sobreviver, porque o adubo é muito caro e falta água também. Eles podem derrubar os fornos, mas têm que dar condições de trabalho. Não é chegar e fazer o que está fazendo¿, justifica.

Esforço conjunto

Depois do mau-estar com o presidente do Incra, Rolf Hackbart, ocorrido há um ano, em que Minc teria afirmado que o Incra era o responsável pela devastação na Amazônia, o ministro vem tentando costurar uma política da boa vizinhança. Para provar as boas intenções, o ministro propôs que as políticas de combate ao desmatamento do cerrado fossem concentradas entre os dois órgãos (Ibama e Incra) para dar, inclusive, mais resultado às metas que serão criadas por ele até o fim do ano. ¿Não estamos aqui para fazer contraponto, não é Meio Ambiente contra Incra, queremos trabalhar juntos porque não é só o lado ambiental que é importante, mas o social também, que é como deve ser visto o uso correto da terra¿, justificou o ministro.

1 - O que diz a Lei A reserva legal é protegida pela lei que rege o código florestal brasileiro. Ela deve existir em todas as propriedades rurais, que têm de separar entre 20% e 80% de suas áreas, dependendo de cada região, para a conservação da biodiversidade e proteção da fauna e flora nativas. Mas a maioria das propriedades descumpre a regra, contribuindo para o aumento da devastação de matas nativas, como no cerrado. A pena para quem desmata em área de reserva legal vai desde o pagamento de multas à perda da parcela da terra.

Problema está no modelo Segundo o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, assentamentos, como o de Niquelândia, remontam à ditadura

Niquelândia (GO) ¿ A maioria dos assentamentos do Incra envolvidos em crimes ambientais está enquadrada em modelos ultrapassados, segundo o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. ¿Eles remontam à época da ditadura, onde os assentados recebiam motosserras em vez de incentivos para o desenvolvimento sustentável.¿ Por isso, muitos não incorporaram a responsabilidade em torno do passivo ambiental, que é respeitar a preservação da reserva legal e das áreas de proteção permanente (APPs) de topos de morros, encostas e montanhas. Há quatro anos, segundo o ministro, os modelos mudaram, pois se concentram em projetos de desenvolvimento sustentável, assentamento agroextrativista e florestal.

Para que haja o uso sustentável dentro dos assentamentos, é necessário que o Ibama e o Incra autorizem os donos da terra por meio de duas licenças. Uma delas aprova a localização e a viabilidade ambiental do projeto, e a outra, de instalação e operação, dá direito à construção de casas, estradas e redes de distribuição de água. Somente com as duas licenças é possível obter a liberação de créditos do governo por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

No caso de Niquelândia (GO), sete assentamentos estavam em situação irregular e, portanto, sem as licenças para utilizar a terra. De acordo com o Incra, esse tipo de irregularidade pode custar às 290 famílias a perda do terreno. Em todo o estado de Goiás, 254 assentamentos serão fiscalizados pela operação. (DS)