Título: Voo 447 relatório final culpa falha humana e técnica
Autor: Ernesto magalhães, Luiz
Fonte: O Globo, 06/07/2012, Rio, p. 21

A queda do Airbus que fazia o voo 447 da Air France em 2009 foi provocada por uma combinação de falhas humanas e técnicas nos sistemas da aeronave, segundo o relatório final do Escritório de Investigações e Análises da França (BEA), divulgado ontem. O acidente, que ocorreu quando o avião seguia do Rio para Paris, matou 228 pessoas.

Responsável pela investigação técnica, o BEA aponta para as falhas resultantes da ergonomia da aeronave (um Airbus A330) e reações inadequadas dos pilotos, submetidos a forte estresse diante da situação. Para o órgão francês, o ponto de partida da tragédia foi o congelamento dos pitots (sensores de velocidade) fabricados pela Thales, fato que levou a uma inconsistência temporária entre as velocidades medidas.

Os problemas começaram depois que o Airbus atravessou uma tempestade e cristais de gelo se formaram nos pitots, que desativaram o piloto automático. O avião passou do controle automático para o manual. O segundo copiloto assumiu o comando da aeronave e cometeu um equívoco fatal, segundo a investigação: elevou o nariz do aparelho até uma inclinação de 42 graus, tentando manter a altitude. O Airbus começou a perder altitude, e alarmes sonoros foram acionados na cabine. Segundo os investigadores, a tripulação aparentemente não percebeu esse aviso.

- Houve uma combinação de fatores. Depois dos problemas com os pitots, as ações da tripulação desestabilizaram o avião, que entrou numa queda anunciada. Elas foram excessivas e não eram as mais adequadas para um voo de grande altitude, sobretudo a ação de inclinação do bico da aeronave. A tripulação nunca entendeu que estava caindo e não agiu para evitar isso. Uma manipulação correta do manche permitiria que a aeronave se estabilizasse. Mas, como o manche permaneceu apontado para cima, a situação se agravou - disse o chefe da investigação, Alain Bouillard. - A tripulação estava em estado de perda quase total do controle da situação.

Segundo o diretor do BEA, Jean-Paul Troadec, os pilotos não entenderam que o avião entrou em estol (perda de sustentação) e caía. Ele afirmou que, nos momentos finais, era praticamente impossível reverter a queda.

Investigadores apontam problema em treinamento

De acordo com a investigação, não havia indícios de que a tripulação estivesse cansada no momento do acidente. Além de constatarem a reação inadequada dos pilotos frente à situação incomum e uma completa incompreensão do que estava acontecendo, os investigadores do BEA verificaram que houve falha de treinamento.

A ausência do comandante da cabine nos momentos que antecederam o acidente foi considerada normal pelo relatório. Segundo o documento, ele poderia se ausentar da cabine porque a tripulação fora reforçada por um segundo copiloto, como previsto no manual de operações.

No relatório, o órgão apresenta 25 recomendações para evitar que acidentes como esse se repitam. Uma delas é que as tripulações sejam treinadas para enfrentar situações como a que levaram à queda do Airbus, incluindo a previsão do mesmo tipo de pane. Outra sugestão é que as aeronaves sejam equipadas não apenas com um sistema de alerta sonoro, mas também com sinalização visual para situações de risco de queda.

Após a apresentação do relatório, a Air France divulgou uma nota em que diminui a responsabilidade da tripulação pelo acidente. Segundo a companhia, a tripulação esteve empenhada até o último momento em controlar a aeronave com base nas informações disponíveis nos sistemas eletrônicos de bordo.

Ao jornal "Le Monde", a Airbus afirmou que pretende tomar "todas as medidas necessárias" para melhorar a segurança aérea. Segundo a empresa, o grupo já começou a trabalhar para aumentar a resistência dos pitots.

Para Moacyr Duarte, especialista em gerenciamento de emergências, análise de risco e catástrofes tecnológicas da Coppe/UFRJ, o relatório deixou a desejar em comparação com outros documentos sobre tragédias da aviação comercial. Segundo ele, o relatório não esclarece como se deu a cadeia de falhas que levou ao acidente:

- Ele vai servir mais como peça jurídica para processos judiciais de reparação do que para colaborar para evitar que novos acidentes aconteçam. Confirmou-se que os pitots congelaram, a aeronave estolou e caiu. O documento relata as falhas de leitura de instrumentos e o acionamento de alarmes. Mas não esclareceu por que as falhas ocorreram nessa sucessão, o que também atrapalhou na tomada de decisões para controlar a aeronave.

Irmão de uma das vítimas, Maarten Van Sluys diz que o relatório representa uma vitória para o trabalho de três anos da associação formada por parentes dos mortos no acidente. Em seu perfil numa rede social, Maarten escreveu que o documento "tira dos pilotos o jugo de terem sido os causadores da tragédia. As falhas técnicas foram evidenciadas, bem como a debilidade da empresa Air France na sua concepção de prevenção de acidentes e na falta de treinamento para seus tripulantes. Vamos aguardar agora a crucial decisão da Justiça criminal francesa, no dia 10 de julho. Em caráter imediato, vamos retomar o pedido de indiciamento penal da Air France em território brasileiro".