Título: Breve histórico de um Brasil autoritário
Autor: Mirinda, André
Fonte: O Globo, 06/07/2012, Rio, p. 26

PARATY . Críticas para todos os lados às instituições políticas brasileiras - inclusive contra a presidente Dilma Rousseff - marcaram ontem a última mesa do primeiro dia de debates da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Com o tema "Autoritarismo, passado e presente", Luiz Eduardo Soares e Fernando Gabeira se reuniram, sob mediação de Zuenir Ventura, para traçar um breve histórico das práticas autoritárias vigentes no Brasil ao longo do século XX e, segundo eles, presentes até hoje em planos públicos, seja pela proteção de parlamentares a seus pares, seja pela ação violenta de policiais contra camadas desfavorecidas da população.

A plateia cheia participou aplaudindo os debatedores, sobretudo quando trataram de casos recentes da política brasileira, como a criação da Comissão da Verdade, o aperto de mão entre Lula e Paulo Maluf e a CPI do Cachoeira. Gabeira comparou as ditaduras do Estado Novo e do regime militar, unindo esquerda e direita em momentos distintos de apoio a governos totalitários:

- O Estado Novo é visto de maneira mais positiva do que a ditadura militar, mas ambos subestimaram as condições do povo de escolher, com a diferença que os militares foram mais repressivos. Só que um caiu no gosto da esquerda, outro no da direita.

Soares trouxe o debate para o presente, lembrando que 9,2 mil pessoas teriam morrido por ação da polícia de 2003 a 2011.

- Nós empurramos para baixo do tapete o crime. Não chamamos a tortura por seu nome. A Comissão da Verdade está quase condenada ao fracasso pelas limitações de como foi instituída, mas sou esperançoso. Acho que ela ainda pode dar a oportunidade de nos fazer chamar o horror pelo nome.

O debate também tratou da recente aliança em São Paulo entre Lula e Paulo Maluf para tentar eleger Fernando Haddad como prefeito.

- No caso de Brizola e Garotinho, eles tentaram estender a experiência varguista. O Lula também faz um pouco isso. O desejo é falar das massas por cima de tudo, ignorando os partidos e o sistema político - disse Gabeira. - O sistema político brasileiro é lamentável, ao ponto de o Lula abraçar Maluf e Maluf abraçar Lula. Você não sabe mais quem é quem.

Quando a mesa foi aberta para as perguntas da plateia, Zuenir - que mais cedo participou da Flipzona, a programação juvenil da festa - leu uma questão proposta pelo colunista do GLOBO, Ricardo Noblat: se os debatedores consideravam Dilma Rousseff uma presidente autoritária.

- Ela é distante, mas não por desprezo, e sim porque os marqueteiros disseram que ela precisava se distanciar. O presidencialismo no Brasil é muito forte, os deputados hoje são carimbadores de decisões da Presidência. Acho que, por isso, ela tem uma postura autoritária - disse Gabeira.

Soares discordou, mas também fez suas ponderações:

- Não a acho autoritária, mas centralizadora da gestão. Ela tenta diminuir os problemas com irregularidades no governo, mas gera um impasse administrativo.

Enquanto o peso da política norteou a última mesa do dia, o primeiro debate foi sobre a presença da morte na literatura, mas feito com leveza: os escritores André de Leones, Altair Martins e Carlos de Brito e Mello levaram com bom humor o tema "Escritas da finitude". Leones, autor do apocalíptico "Dentes negros", que contou ter acompanhado o velório de vários amigos que se suicidaram na cidade onde nasceu, Silvânia, em Goiás.

- Um dia, no enterro de um amigo, me peguei pensando: por que não? Mas em vez de me matar (arranca risos do público) , levei este pensamento para a literatura.

A mesa "Apenas literatura" trouxe um Enrique Vila-Matas solto e confortável na conversa com o chileno Alejandro Zambra. Entre elogios mútuos, os dois autores discutiram a "metaliteratura" . Em tom brincalhão, Zambra fez uma confissão.

- Admiro tanto Vila-Matas que precisei tomar meia garrafa de cachaça antes de começar.