Título: Os elos entre Shakespeare e Lucrécio
Autor: Miranda, André
Fonte: O Globo, 06/07/2012, Rio, p. 27

O HISTORIADOR Stephen Greenblatt: dupla participação na Flip

Felipe Hanower

PARATY. O dramaturgo inglês William Shakespeare e o poeta e filósofo latino Lucrécio serão os protagonistas da participação em dose dupla do historiador americano Stephen Greenblatt na Flip hoje. Na Tenda dos Autores, ao meio-dia, ele debaterá a obra do criador de "Hamlet" com outro especialista no tema, o americano James Shapiro, professor de literatura na Universidade de Columbia. Às 19h, Greenblatt fará uma conferência na Casa da Cultura, com mediação do colunista do GLOBO Arnaldo Bloch, sobre o livro "A virada", um estudo sobre a acidentada circulação do poema "Sobre a natureza das coisas", de Lucrécio, ao longo da História.

Em entrevista ao GLOBO em Paraty, Greenblatt traça um paralelo entre os dois temas aparentemente distantes, argumentando que ambos os livros tratam de uma questão comum: os delicados mecanismos que permitem que certas obras, como as de Shakespeare e Lucrécio, avancem no tempo, enquanto outras são perdidas para sempre.

- Conhecemos até hoje a obra-prima de Sófocles, "Édipo Rei", que foi segunda colocada num concurso de teatro na Grécia Antiga. Mas não sabemos nada sobre a peça que ficou em primeiro - pondera Greenblatt. - Muitas forças agem para a duração de uma obra. Num nível mais básico, a pura contingência histórica, mas também a capacidade das obras de dar prazer ao leitor e seu poder conceitual. E ainda o que São Paulo dizia da Bíblia, mas vale para os grandes livros de todos os tempos: "Suas palavras parecem ter sido escritas para nós".

Premiado com o Pulitzer deste ano e recém-lançado no Brasil pela Companhia das Letras, "A virada" analisa a "contingência histórica" que permitiu a sobrevivência do poema de Lucrécio. Escrito no século I a.C, o texto que Ovídio dizia que "duraria enquanto durasse o mundo" quase se perdeu com a queda do Império Romano, mas foi resgatado no século XV pelo pesquisador italiano Poggio Bracciolini e se tornou uma influência central para o Renascimento.

Entre os autores da época influenciados pela redescoberta do poema de Lucrécio, diz Greenblatt, pode ter estado o próprio Shakespeare. Essa especulação, longe de ser um problema para o historiador, é uma das características centrais de seus dois livros publicados agora no Brasil. Mantendo-se sempre fiel às fontes históricas, Greenblatt permite-se especular nas ocasiões em que o material disponível sobre o tema é muito limitado.

- Não sabemos ao certo se Shakespeare leu Lucrécio. Mas há muitos registros históricos que apontam para a possibilidade de que ele tenha entrado em contato com o poema e as ideias expressas nele, ainda que de forma indireta - diz Greenblatt, citando como exemplo a passagem do filósofo italiano Giordano Bruno, condenado como herético por abraçar as ideias de Lucrécio, pela Inglaterra nos tempos de Shakespeare.