Título: Ladrões de bebês enfim punidos
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 06/07/2012, O Mundo, p. 35

Em 1984, num julgamento histórico de figuras-chave da última ditadura argentina (1976-1983), foram apresentados seis casos de bebês que teriam nascido em centros clandestinos de tortura. Mesmo assim, os tribunais consideraram o ex-ditador Jorge Rafael Videla inocente. Ontem, após mais de 30 anos de luta das Avós da Praça de Maio e outras organizações de defesa dos direitos humanos, a Justiça argentina finalmente condenou Videla e outros oito acusados pelo que considerou um "plano sistemático de roubo de bebês", organizado pelo regime militar como parte de um "plano geral de aniquilação de parte da sociedade".

A sentença foi anunciada nos tribunais de Comodoro Py, na capital argentina. Do lado de fora, centenas de manifestantes acompanharam por um telão o anúncio da sentença e celebraram o desfecho de um julgamento que começou em 28 de fevereiro do ano passado. O ex-ditador, de 86 anos, foi condenado a 50 anos de prisão, decisão que o impedirá de continuar solicitando o benefício da liberdade condicional, permitido na Argentina a partir dos 20 anos de reclusão.

Desde 1984, Videla já passou quase 20 anos detido, incluindo um longo período de prisão domiciliar. Em dezembro de 2010, o ex-ditador foi condenado à prisão perpétua pelo assassinato de 31 presos políticos na província de Córdoba.

- Videla já apresentou um pedido de liberdade condicional, mas foi rechaçado. Esta condenação também é importante para garantir sua permanência na prisão - disse ao GLOBO o advogado da acusação, Alan Iud, que representa as Avós da Praça de Maio.

"Sensação de vitória", dizem Avós de Maio

Pelas mesmas acusações, Reynaldo Bignone, ditador entre 82 e 83, foi sentenciado a 15 anos de prisão. Com penas de cinco a 40 anos foram condenados os militares Santiago Omar Riveros, Jorge "El Tigre" Acosta, Antonio Vañek, Jorge Magnacco, Juan Antonio Azic e Víctor Gallo, além da civil Susana Colombo. Eduardo Ruffo, ex-agente de inteligência, e Rubén Omar Franco, ex-almirante, foram absolvidos.

Segundo Iud, "ficou claro que o roubo de bebês foi uma política de Estado na ditadura". Durante o julgamento, o promotor Martín Niklison assegurou que, "depois do golpe de Estado de março de 76, os militares decidiram que também seria necessário sequestrar mulheres grávidas e casais com filhos pequenos. Assim, afirmou, surgiram as maternidades clandestinas em quartéis militares e "um plano muito bem preparado" para distribuir os bebês que iam nascendo.

Durante um ano e meio, foi investigado o roubo de 35 bebês, dos quais 28 hoje são jovens com mais de 30 anos já cientes de sua verdadeira identidade. Um dos casos é o da deputada Victoria Donda, da Frente Ampla Progressista (FAP), reeleita em outubro do ano passado e uma das figuras mais carismáticas do Congresso argentino.

Francisco Madariaga, que ontem completou 35 anos, é outro dos netos encontrados nos últimos anos pelas avós argentinas. Francisco decidiu denunciar não somente os chefes militares da ditadura, mas, também, seus pais adotivos que, segundo ele, o submeteram a terríveis maus-tratos. Mas cada caso é diferente. Durante os depoimentos, Carlos D´Elia, de 34, revelou continuar sentindo carinho por seus pais adotivos, a quem visitou todos os dias nos nove meses em que estiveram detidos.

Também foram incluídos no julgamento casos de bebês supostamente roubados que ainda não apareceram, entre eles o de Guido Carlotto, neto de Estela Carlotto, presidente das Avós da Praça de Maio, várias vezes cotada para receber o Prêmio Nobel da Paz. A vida de Estela já virou filme. Nele, é contada a história desta mulher, que pouco depois do golpe de 76 perdeu a filha mais velha, Laura, grávida de poucos meses. Naquele momento começou sua luta, graças à qual já foram encontrados 105 netos, de um total estimado pelas avós em mais de 500.

Um dos casos mais famosos dos últimos anos é o de Marcela e Felipe Herrera de Noble, herdeiros do grupo Clarín, que, segundo a ONG comandada por Estela, são filhos de presos políticos desaparecidos. Foram realizados vários exames, mas todos indicaram o contrário. Para as avós o caso continua aberto. Já Marcela e Felipe o consideram encerrado.

Os tribunais portenhos também investigaram o roubo da uruguaia Macarena Gelman. Seus pais, ambos argentinos, foram sequestrados em Buenos Aires em 1976 e, como parte da sinistra Operação Condor, Maria Claudia, que estava grávida, foi levada para o Uruguai, onde nasceu sua filha. Há 11 anos, Macarena, neta do poeta argentino Juan Gelman, conheceu sua família biológica e sua história. Ontem, a jovem uruguaia atravessou o Rio da Prata para presenciar o veredicto.

- Os militares cometeram crimes atrozes, que não podiam continuar impunes. Hoje é um dia de grande alegria e sensação de vitória - afirmou Rosa Roisinblit, vice-presidente das Avós da Praça de Maio.