Título: Visão realista
Autor:
Fonte: O Globo, 09/07/2012, Opinião, p. 6

Pressionada por demandas específicas, muitas inconciliáveis, de 191 países, e em meio a grave crise econômica mundial cujos efeitos sobre resultados e objetivos do encontro não poderiam ser ignorados, a Rio+20 produziu um documento final que deve ser julgado pelas intenções. Não é uma peça para embasar ações radicais e imediatas, como queriam militantes ambientalistas, organizações não governamentais, observadores, negociadores etc. Dentro das circunstâncias, o texto aprovado por chefes de Estado e de governo reunidos na capital fluminense é positivo. Chegou-se a um consenso possível numa conferência de cúpula que começou com uma pauta em que 70% do seu conteúdo estavam marcados por impasses.

O documento, como já se esperava, não agradou aos grupos que viam na cúpula mais do que um momento extraordinário de reflexão, pela peculiaridade de reunir altos mandatários de todo o mundo. Tratava-se de avaliar até onde foi possível avançar, desde a Rio-92, em questões como sustentabilidade, ambientalismo, economia verde, e estabelecer passos a serem dados, daqui em diante, não só para equacionar demandas não resolvidas desde a primeira cúpula, na última década do século passado, e outras que inevitavelmente teriam de ter surgido pela dinâmica da ocupação do planeta e das relações políticas e econômicas entre as nações.

O resultado mais significativo do encontro talvez não tenha sido a dimensão do que ficou consignado no texto final. Por óbvio, ao passar por crivos ideológicos, políticos ou econômicos, o documento produzirá mais ou menos entusiasmo, de acordo com a conveniência e a coloração política de quem o analisa. O que o torna altamente positivo é o fato de que o mundo se reuniu, discutiu demandas (algumas delas diretamente relacionadas com o futuro da Humanidade, como a utilização de recursos naturais não renováveis e o uso, em escala cada vez maior, de energia limpa) e, ao fim, admitiu a existência de problemas que reclamam ações urgentes. Nisto, a cúpula deu um salto: reconhecer erros e equívocos é o primeiro passo para buscar soluções.

A Rio+20 teve o mérito de mostrar que se conseguiu sensibilizar os países no sentido de encontrar saídas para grande parte dos problemas da agenda da cúpula. Apararam-se arestas e suprimiram-se pontos de atrito para se elaborar um texto que consagra um conjunto de boas intenções. A desaprovação há de ter ficado restrita ao âmbito dos segmentos internacionais que esperavam, ao fim da conferência, estabelecer compromissos imediatos e resolver, por atos concretos, de resto quase sempre descolados da realidade, os problemas do mundo.

É fundamental avaliar o resultado da Rio+20, cujo nome remete a uma revisão e análise do legado da Rio-92, também à luz da conjuntura atual. Teria sido irreal, por exemplo, aprovar a constituição de um fundo internacional, sustentado pelas economias mais fortes do planeta, quando o mundo está às voltas com gravíssima crise. Também não pode deixar de ser visto como positivo o saldo de um encontro que se comprometeu com a manutenção de políticas para erradicar a fome, que manterá os países mobilizados na discussão de temas como sustentabilidade e saúde do planeta, e que consagrou o vigor do C40, o grupo que reúne 59 das maiores cidades do mundo em busca de soluções globais e regionais para melhorar a qualidade de vida de seus habitantes