Título: Perto da melhor previsão
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 12/09/2009, Economia, p. 16

Economia avança 1,9% no segundo trimestre, deixa crise para trás e faz analistas reverem projeções de crescimento deste ano

O vendedor Fábio Silva foi uma das pessoas que temeram não encontrar colocação no mercado em 2009: ¿Voltar a trabalhar foi um alívio¿

O Brasil deu adeus à recessão. Depois de dois trimestres consecutivos, o último de 2008 e o primeiro deste ano, a economia voltou a transitar em terreno positivo. Entre abril e junho, o Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as riquezas produzidas pelo país, cresceu 1,9% frente aos três meses anteriores, avanço superior à previsão média do mercado, de 1,7%. Com esse resultado, disse o presidente do Banco Central(1), Henrique Meirelles, o Brasil foi um dos primeiros países a sair do atoleiro no qual o mundo se meteu depois do estouro da bolha imobiliária americana em setembro passado. ¿Com certeza, estamos na liderança do processo de recuperação da economia mundial¿, frisou. No acumulado do primeiro semestre, o PIB encolheu 1,5%.

O fim da recessão foi decretado de um lado, pela força do consumo das famílias, que avançou 2,1% graças à diminuição do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), ao aumento da renda, à manutenção do emprego e à queda da inflação e dos juros, e, de outro, pela indústria, que também deu um salto de 2,1% do primeiro para o segundo trimestre. ¿Diante desses números, a tendência é de haver uma revisão das estimativas do mercado para o PIB anual. A maioria das projeções, que hoje apontam queda do PIB, deverá mostrar um índice positivo¿, disse Flávio Serrano, economista sênior do Banco BES Investimento. Ele acredita que o crescimento de 2009 será de 0,5%. Já o professor Alcides Leite, da Trevisan Escola de Negócios, aposta em avanço de 1%, índice próximo ao projetado pelo BC, de 0,8%.

Outro diferencial do segundo trimestre, segundo o economista Ricardo Moraes, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram as exportações, que computaram incremento de 14,1% ante os primeiros três meses do ano. Como as importações só avançaram 1,5%, o setor externo, que, desde 2005, vinha ¿jogando¿ contra o PIB, desta vez, contribuiu com 0,7 ponto percentual do crescimento de 1,9%. Em 2010, porém, com a retomada mais forte da economia ¿ a previsão é de que o PIB avance entre 4,5% e 5% ¿ e o aumento das importações, a situação se inverterá novamente.

Calma com o andor

Apesar do entusiasmo com a virada da economia brasileira, Meirelles alertou: ¿Ainda não é o momento de baixar a guarda. Há muito ainda a ser feito, como reforçar a política macroeconômica e melhorar o ambiente de negócios do país¿. Na opinião do presidente do BC, a rápida superação da recessão mostra que as medidas tomadas pelo governo para o enfrentamento da crise mundial, como a redução do IPI e a liberação de R$ 100 bilhões dos depósitos compulsórios para os bancos incrementarem o crédito, foram acertadas e tomadas na hora exata.

O melhor, segundo ele, é que o país apresenta indicadores superiores aos que tinha antes da crise. Ele citou como exemplo o aumento das reservas internacionais, que passaram de US$ 205 bilhões, em outubro de 2008, para US$ 220 bilhões, e a força do mercado de trabalho. A taxa de desemprego fechou julho último em 8%, o menor patamar para esse mês da série histórica do IBGE. Essa ressalva também foi feita pelo economista-chefe da Santander Asset Management, Hugo Penteado. ¿Enquanto nos Estados Unidos, na Europa e no Japão se está destruindo empregos, o Brasil voltou a abrir vagas formais (mais de 400 mil neste ano). É por isso que o consumo das famílias está forte¿, ressaltou.

O mercado de trabalho está tão aquecido que o vendedor Fábio Silva Paulo, 25 anos, pôde pedir demissão da loja em que trabalhava para cuidar da mãe, vitimada por um derrame cerebral, e, depois de alguns meses, retornar ao mesmo posto. ¿Tive medo de não voltar ao emprego, porque a concorrência está cada vez maior¿, disse. Ele ganha entre R$ 1,5 mil a R$ 2 mil por mês, incluindo as comissões. ¿Voltar a trabalhar foi um alívio¿, destacou. Mas o que hoje é uma vantagem pode se transformar em um problema mais à frente. Na opinião de Penteado, se o emprego continuar firme e a renda crescendo na velocidade atual, em algum momento de 2010 o BC será obrigado a elevar a taxa básica de juros (Selic).

Mas há outros riscos no horizonte. O primeiro e mais imediato é o baixo nível de investimento ou Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF). Com o tombo de 17% no segundo trimestre em relação a igual período de 2008, a taxa de investimento fechou junho em apenas 15,7% do PIB, o menor patamar desde 2003. É essa, inclusive, a principal razão de a economista-chefe do Banco Fibra, Maristella Ansanelli, resistir na aposta de queda do PIB neste ano ¿ ela reduziu sua projeção de -0,7% para -0,2%. ¿Os próximos dois trimestres terão crescimentos menores¿, frisou. ¿O importante é que os investimentos pararam de cair¿, completou o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.

Também há a ameaça externa. Ainda que os indicadores mostrem que o pior da crise ficou para trás nos EUA, no Japão e na Europa, há no horizonte a possibilidade de uma segunda onda das turbulências originárias do estouro da bolha imobiliária americana. ¿Teme-se pela saúde do sistema financeiro global. Por isso, a importância de se apertar a regulação dos bancos¿, afirmou Hugo Penteado. ¿Alguns economistas falam que a economia caminhará como um W, ou seja, registrará um duplo tombo. Eu, particularmente, acredito que a recuperação do mundo será lenta e gradual, o que não afetará o Brasil¿, frisou.

1 - Tarifa bancária O Banco Central proibiu ontem à noite que os bancos cobrem a taxa de renovação cadastral, o que geralmente era feito automaticamente a cada seis meses por algumas instituições financeiras. Essa tarifa, instituída em abril de 2008, podia ser cobrada até duas vezes por ano. O valor variava entre R$ 10 e R$ 60.