Título: O discreto erotismo da macroeconomia
Autor:
Fonte: O Globo, 08/07/2012, Economia, p. 30

Há tempos, vem a oferta (S) cruzando com a procura (D) nos compêndios de economia. No final do século XIX, o sábio AM lhes havia recomendado a posição da tesoura, com as hastes semiabertas, na busca de um equilíbrio natural entre a dor da verticalidade (P) e o prazer da horizontalidade (Q):

Nos anos 30, sofrendo de Grande Depressão, saíram a oferta e a procura em busca de posições mais estimulantes. Sugeriu-lhes, então, o doutor MK que a oferta se deitasse passivamente na horizontal, deixando à procura, revigorada por pílulas governamentais, assumir o papel ativo de estimular a atividade:

Por muitos anos viveram felizes assim, até que, nos anos 1970, padecendo com o Choque do Petróleo, a oferta se rebelou e assumiu a posição vertical. A prescrição de MK para obter maior Q-prazer através de estímulos da demanda tornou-se então fonte de pura P-dor:

Os doutores das águas salgadas seguidores de MK recomendaram então maiores controles do governo para diminuir a P-dor. Ressabiadas, a oferta e a procura saíram interior adentro, em busca de alternativas que mantivessem sua liberdade de movimentos.

Encontraram-se com o guru das águas doces, MF, que lhes deu uma receita diretamente oposta à de MK: devia a procura assumir uma posição horizontal passiva, mantendo assim a P-dor sob controle. A oferta ficaria na posição vertical, crescendo à taxa natural, sem amarras do governo:

Deu-se então a Grande Moderação, com a P-dor sob controle e o Q-prazer expandindo-se sob a égide dos cassinos financeiros desregulamentados.

Final feliz, entretanto, só nos contos de fadas. Desde o início do século XXI, a expansão da procura passou a depender cada vez mais do crédito facilitado pelos cassinos. Sobreveio a Crise Financeira em 2008. Sobrecarregada de dívidas, a procura encolheu-se, não mais conseguindo responder aos estímulos creditícios. Também endividados, os governos não conseguiram mais estimulá-la com suas pílulas. A procura verticalizou-se, encolhida como estava, deixando um vácuo entre sua posição e a da oferta:

Descasadas, a procura e a oferta padecem agora de uma Q-dor que não sentiam desde os anos 1930. Prazer com a queda de P também não têm, pois ela apenas aumenta o peso das dívidas acumuladas. Estão agora a lamentar não ter dado mais atenção a HM, o profeta esquecido, que há tempos lhes advertira sobre os perigos dos cassinos financeiros.

Como fazer para acasalar novamente procura e oferta? Velhos receituários retornam em tempos de crise. Ultra-Ks só desejam mais estímulos, acreditando que a oferta vai atrás da procura onde ela for. Ultra-Fs só querem saber de menos controles, pois acreditam, ao contrário, que a oferta gera sua própria procura.

Melhor deixar os ultras com suas manias de lado e retornar ao ponto de partida do sábio AM. Reconhecer as individualidades da oferta e da procura, sabendo que uma não vive sem a outra, e almejam cruzar-se harmonicamente como se hastes fossem de uma mesma tesoura. Posições extremas são excitantes de tempos em tempos, mas somente o Caminho do Meio unifica e transcende a dualidade.