Título: Relator recomenda cassação de Demóstenes
Autor: Krakovics, Fernanda; Gama, Junia
Fonte: O Globo, 26/06/2012, O País, p. 11

Humberto Costa diz que senador mentiu no plenário da Casa e o classifica de "despachante de luxo" de Cachoeira

BRASÍLIA. Quase três meses depois de o Conselho de Ética do Senado acatar representação do PSOL, o relator do processo por quebra de decoro, senador Humberto Costa (PT-PE), recomendou ontem a cassação do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), classificando-o como "um despachante de luxo" do bicheiro Carlinhos Cachoeira. O relator afirmou que Demóstenes mentiu em discurso no plenário do Senado, ao afirmar que sua relação com o contraventor era apenas de amizade, quando utilizava o mandato para defender interesses do contraventor e de sua organização criminosa. Costa lembrou que Demóstenes reconheceu ter recebido presentes e vantagens considerados indevidos, no caso um rádio Nextel e uma cozinha importada.

O conselho votaria ainda ontem à noite o parecer de Humberto Costa, que deveria ser aprovado, em voto aberto. O processo ainda passará pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Se aprovado, segue para o plenário do Senado, onde a votação é secreta e são necessários os votos de 41 dos 81 senadores para aprovar a cassação.

- Tudo posto, é de se concluir que a vida política do senador Demóstenes, desde 1999, gravita em torno dos interesses de Carlinhos Cachoeira no ramo de jogos de azar - disse Costa, lendo o parecer, de 79 páginas. - Seu papel, no que diz respeito especificamente a jogos de azar, não era operacional, mas o de braço político, um facilitador institucional que poderia auxiliar na manutenção e na satisfação dos interesses de Cachoeira. É evidente a atuação do senador Demóstenes Torres como um despachante de luxo do contraventor.

O relator discorreu sobre o suposto envolvimento de Demóstenes com lavagem de dinheiro da organização criminosa e com a logística de proteção à ação de Cachoeira. E classificou ainda como "bizarra" a forma como Demóstenes, então secretário estadual de Segurança de Goiás, conheceu Cachoeira:

- Desde logo, verifica-se que essa aproximação não se deu em circunstâncias meramente sociais. Pode-se perceber que, ali, o encontro de ambos se deu em torno de problemas relativos aos negócios de Cachoeira. Perguntado (em depoimento ao Conselho de Ética), o senador Demóstenes Torres respondeu que Carlinhos Cachoeira o procurara com um pleito que eu diria ser bizarro: a repressão aos operadores de jogos de azar ilegais, atuantes no estado de Goiás. A cena evoca, de pronto, o clássico final do filme norte-americano de Michael Curtiz "Casablanca", quando o capitão Renault manda prender os "suspeitos de costume" e sucumbe ao convite para uma grande amizade.

O relator refutou o argumento de que a relação de Demóstenes com Cachoeira seria apenas de amizade:

- Não é crível que um secretário de Segurança Pública, que antes fora, por duas vezes, o chefe do Ministério Público estadual, desconhecesse a folha corrida de seu interlocutor.

O senador petista lembrou a postura de Demóstenes antes das acusações virem à tona, quando ele pertencia ao chamado grupo dos éticos e era implacável na cobrança dos colegas:

- Faço esse registro não por sarcasmo ou para demonstrar a ironia da situação, mas sobremaneira porque ouso concordar com o senador Demóstenes em sua anterior postura: o Parlamento é soberano e não podemos deixar que ele fique maculado pelo descuido de membros à missão confiada.

Na conclusão do relatório, Humberto Costa cita a filósofa alemã Hannah Arendt para rejeitar espírito de corpo no Senado:

- O Senado Federal não é um sarau de compadres. O Senado é uma conquista da Revolução Americana, uma "instituição duradoura para a opinião".