Título: Crise abre portas para Venezuela
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 27/06/2012, O Mundo, p. 25

Isolamento político do Paraguai no Mercosul aumenta chances de entrada de vizinho no bloco

Flávio Freire, Flávia Barbosa e Eliane Oliveira

ASSUNÇÃO, WASHINGTON e BRASÍLIA

O isolamento político e econômico do Paraguai, a ser fechado na reunião de Mendoza, na Argentina, pelos líderes da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), poderá atingir o Congresso paraguaio. Existe uma predisposição de brasileiros, argentinos e uruguaios a receberem oficialmente a Venezuela no Mercosul durante o encontro de cúpula. Responsável direto pelo impeachment-relâmpago do ex-presidente Fernando Lugo, o Legislativo daquele país é o único do bloco que ainda não aprovou a entrada dos venezuelanos na união aduaneira.

Segundo uma fonte do governo brasileiro, é preciso apenas que haja uma manifestação formal de um ou mais presidentes do Mercosul, para que seja dado sinal verde à Venezuela. Uma vez suspenso o Paraguai, que deverá ficar de fora de pelo menos duas cúpulas até as eleições presidenciais, o bloco do Cone Sul continuará adotando resoluções.

- Se algum dos presidentes avaliar que estão dadas as condições para a entrada da Venezuela no Mercosul, quem vai dizer não? Esse é o tipo de decisão que não será tomada pelos ministros, e sim pelos chefes de Estado - disse a fonte.

O Paraguai também é o principal obstáculo para um acordo de acesso a mercados entre o Mercosul e a China. Os chineses não se conformam com o estreito relacionamento entre paraguaios e taiwaneses. Com a exclusão dos vizinhos do convívio político na região, os presidentes do bloco se sentiram à vontade para fazer uma videoconferência com o premier chinês, Wen Jiabao, sobre o tema, anteontem.

O grau de pressão sobre o Paraguai, tanto na parte política quanto na econômica, será decidido em Mendoza. A primeira atitude dos presidentes da Unasul será formalizar uma declaração exaltando a democracia, um legado que deve ser mantido a todo custo. Ontem pela manhã, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, reuniu-se com o embaixador brasileiro em Assunção, Eduardo Santos. O diplomata fez um relato ao chanceler sobre a situação no Paraguai e comentou a complexidade do sistema institucional e jurídico dos vizinhos.

Em uma avaliação interna, o governo brasileiro considera que a Unasul saiu fortalecida do caso.

- Mesmo se o presidente deposto fosse de direita, os líderes da Unasul tomariam a mesma atitude, sem hesitar - disse o interlocutor.

OEA decide enviar missão ao país

Em um sinal do quão divisiva pode ser a crise paraguaia na região, a OEA (Organização dos Estados Americanos) decidiu ontem, em Washington, enviar uma missão ao país em busca de mais informações. Mas a solução não foi obtida por consenso entre o colegiado de países mas por determinação do secretário-geral do órgão, José Miguel Insulza, como uma forma de superar o impasse após uma reunião tensa, com direito a ampla troca de farpas entre as delegações. Ainda não foi definido quem chefiará a missão.

O Brasil defendeu no encontro que a OEA aguardasse a reunião dos chefes de Estado do Mercosul e da Unasul, em Mendoza, na sexta-feira, antes de tomar uma decisão. A ideia não foi bem recebida por outros países, como EUA, Canadá e México, na América do Norte, Colômbia, Chile e Peru, na América do Sul, e diversos países da América Central, como Jamaica e Panamá. Grande parte dos membros da OEA defendeu o envio de uma missão, o que sugere cautela a respeito de uma condenação enfática da situação no Paraguai e a tentativa de uma avaliação menos contaminada pela visão regional, especialmente do Mercosul e dos governos vistos como radicais, como Venezuela, Bolívia e Equador. Os três últimos se referiram ao impeachment de Lugo como golpe de Estado e defendiam a suspensão do país da OEA.

O ministro Breno Dias da Costa, representante do Brasil na sessão da OEA, reiterou a avaliação de que houve "ruptura do processo democrático" no país.

- Esta organização só tem a ganhar se organismos subregionais puderem antes fazer a avaliação - disse, apresentando a proposta que também contou com apoio do Uruguai.

O embaixador paraguaio Hugo Saguier atacou a proposta do Brasil e disse que a reunião de países sul-americanos na sexta-feira será um encontro de cartas marcadas. Saguier afirmou ainda que o país não dá direito aos sócios de interferirem em seus assuntos internos, tampouco de "humilhar a nação paraguaia".

- Posso garantir que, se houvesse um plebiscito hoje, 90% da população paraguaia votariam pela saída do bloco (Mercosul). O que vocês (Brasil, Argentina e Uruguai) querem é fazer uma operação conjunta para expulsar o Paraguai de todos os organismos internacionais. Podem ir adiante, se quiserem fazer uma Tríplice Aliança reforçada, estamos preparados.

Dias da Costa reagiu dizendo que lamentava o pronunciamento do paraguaio e que o Brasil não considera intervenção o cumprimento de compromissos firmados no Mercosul e na Unasual:

- Lembrar da Tríplice Aliança e coisas afins me parece desnecessário e gratuito (...) Lembramos ao embaixador que o novo governo do Paraguai não foi reconhecido por nenhum pais da OEA. O Paraguai está aqui hoje como reflexo do respeito e da generosidade de todos os países desta organização.

No Paraguai, enquanto Lugo admitia que só um milagre o levaria de volta ao Palácio de López, Franco convocou a imprensa estrangeira para minimizar a pressão da comunidade internacional. Prometeu garantir a segurança dos brasiguaios e provar aos vizinhos que seu governo é democrático. O liberal pediu à presidente Dilma Rousseff que considere em sua decisão a grande presença de brasileiros no país.

- É importante que Dilma consulte seus compatriotas. Aqui há 500 mil brasileiros, e sempre que as terras dos brasiguaios eram invadidas a própria embaixada dizia que não poderia fazer nada porque este é um país autônomo - lembrou, depois de se reunir com um grupo de empresários brasileiros para discutir política de segurança no campo.

Espontaneamente, Franco lembrou aos jornalistas que o Brasil já havia passado por um processo de impeachment, quando o hoje senador Fernando Collor (PTB-AL) foi destituído. Lembrado pela imprensa brasileira de que, no caso de Collor, o processo durou meses, e não 30 horas, o presidente foi lacônico:

- Mas quando Collor sofreu impeachment, quem assumiu foi Itamar - disse Franco, afirmando que era o único entre os 6 milhões de paraguaios que poderia assumir a Presidência. - Eu não seria irresponsável de deixar que uma guerra civil acontecesse no país.

Ontem, Collor afirmou que o impeachment de Lugo foi legal e classificou como "açodada" a ação da diplomacia brasileira.

Já Lugo, se mostrou menos entusiasmado com a hipótese de voltar ao poder depois que o Tribunal Superior de Justiça Eleitoral decidiu que Franco é o presidente constitucional. Ele disse que está "quase decidido" a não mais participar da cúpula do Mercosul, em Mendoza.

* Enviado especial a Assunção

** Correspondente em Washington