Título: Juros mais baixos possibilitam ajustes
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Fonte: O Globo, 13/07/2012, Opinião, p. 6

A árdua luta contra a inflação no Brasil exigiu a adoção de uma política monetária restritiva, com adoção de taxas de juros muito elevadas. O Banco Central teve que arcar com o maior peso desse combate, e, felizmente, o órgão ganhou uma autonomia operacional, desde o lançamento do real, que lhe permitiu exercer essa difícil tarefa, sujeita a pressões de todos os lados e a um bombardeio de críticas.

A política fiscal poderia ter contribuído mais nessa luta, o que teria possibilitado ao BC adotar taxas de juros menos salgadas já há algum tempo. Embora essa contribuição tivesse sido aquém da necessária, de fato as finanças do setor público passaram a acumular seguidos superávits primários, evitando o crescimento da dívida governamental - sem entrar, aqui, na discussão sobre a "qualidade" de alguns desses superávits. As taxas de juros puderam ser, então, reduzidas gradualmente.

Chegamos agora a um estágio em que os juros básicos estão no patamar de 8% ao ano - decisão tomada na noite de quarta-feira pelo Comitê de Política Monetária -, o mais baixo desde o início do processo de estabilização da moeda no Brasil. A conjuntura, com a maior parte dos preços internacionais em declínio, talvez permita novos cortes nos juros básicos - conforme previsões do próprio mercado -, sem que o alcance do centro da meta de inflação para 2012 (4,5%) fique ameaçado, na avaliação do BC.

Trata-se de uma experiência nova na economia brasileira. O crédito se expandiu em ritmo anual de quase 20% em um cenário de juros muitos altos. Essa expansão acelerada não chegou a configurar um problema, enquanto a economia passava por um período de elevação dos salários e do emprego. No entanto, com a desaceleração no crescimento, o endividamento tem pesado sobre os orçamentos familiares, gerando um aumento de inadimplência que merece atenção por parte das autoridades e dos agentes financeiros.

É possível que a queda dos juros básicos abra espaço para reestruturação desse endividamento, com consequente redução na inadimplência, o que trará benefícios para todos. Possivelmente este será o aspecto mais positivo da queda dos juros, acreditando-se que a recomposição dos orçamentos familiares recupere, por exemplo, o consumo de bens duráveis e não duráveis, favorecendo a indústria.

Mas o efeito que mais se almeja dessa queda de juros seria o de longo prazo. As aplicações financeiras devem sofrer um realinhamento, e será muito saudável se os poupadores se sentirem mais atraídos por prazos mais longos. Para tal, as instituições financeiras precisarão oferecer produtos que se encaixem nessa demanda em potencial. Além de proporcionar mais estabilidade ao sistema financeiro, as aplicações de longo prazo podem favorecer o surgimento de um mercado de crédito privado para investimento, tal qual o que já existe para a construção de moradias.

A redução das taxas de juros para níveis similares aos de outras economias é, sem dúvida, importante. Mas não resolve tudo. Nem deve levar o governo a usar os recursos economizados na conta de juros em despesas que se engessam (salário do funcionalismo, por exemplo). A hora é dos investimentos.

Sem outros ajustes, estruturais e conjunturais, da política econômica, a economia brasileira pode não dar a resposta esperada. E nem mesmo se conseguirá manter esses novos patamares de taxas de juros.