Título: Renegado pelo Exército e atolado em dívidas
Autor: Herdy, Thiago
Fonte: O Globo, 01/07/2012, O País, p. 9

Albernaz morreu longe da família, após aplicar golpes e ser condenado por falsidade ideológica

SÃO PAULO . O trabalho na Operação Oban fez com que Benoni Albernaz caísse em desgraça na própria família. Aposentado e dono de uma fazenda em Catalão, Goiás, o pai se chateava ao saber do comportamento do filho:

- Ele usava o poder que tinha para extorquir as pessoas, e o pai ficava triste. Sempre foi uma família esquisita, muito desunida - conta a dona de casa Maria Lázara, de 60 anos, irmã de criação do capitão.

- Olha, acho que uma vez ele caiu do cavalo numa parada militar, antes da ditadura, e o cavalo pisou na nuca dele. A partir daí, ele não ficou bom da cabeça - supõe a prima Noemia da Gama Albernaz, que hoje vive em Cuiabá.

Albernaz deixou a Oban em fevereiro de 1971, quando o aparelho já havia se transformado no DOI-Codi. Por três vezes tentou fazer o curso de operações na selva, mas teve a matrícula recusada. Foi transferido para o interior do Rio Grande do Sul, passando da caça a comunistas às operações de rotina em estradas de fronteira. O Exército tentava renegá-lo. Em março de 1974, foi internado em Porto Alegre, vítima de envenenamento.

Albernaz tinha problemas com dinheiro. Foi denunciado pelo menos cinco vezes por fazer dívidas com recrutas e não pagá-los, apesar das advertências de seus superiores. Estava lotado no setor medalhístico da Divisão de Finanças do Exército, em Brasília, quando foi declarado inabilitado para promoções, por não satisfazer a dois requisitos: "conceito profissional" e "conceito moral". Em março de 1977, o presidente Ernesto Geisel o transferiu para a reserva.

Em um escritório no Centro de São Paulo, passou a coagir clientes a comprar terrenos vestido com farda falsificada de coronel - embora tivesse sido transferido para a reserva como major - e dizendo-se integrante do SNI.

- Você é uma estrela de nossa bandeira. Vamos investir juntos, ombro a ombro, peito aberto - dizia aos clientes, segundo registros de reclamação levadas ao Exército, pistas que levariam à sua condenação por falsidade ideológica.

Em 1980, intermediou transações de ouro de baixa qualidade no Pará, vendendo como vantagem seu acesso aos garimpos. Nunca foi responsabilizado pelo espancamento, por encomenda, de um feirante de origem japonesa.

- Se não pagar agora, vai preso para o Dops - ameaçou, já em 1979, quando não mais pertencia ao Exército.

O agredido foi à delegacia prestar queixa e, ao saber disso, Albernaz baixou no local.

- Sou amigo íntimo do presidente da República, foi ele quem me deu isso - falou ao delegado, mostrando a pistola Smith & Wesson. - Na lista de torturadores, sou o número 2.

No fim dos anos 1980, Albernaz estava atolado em dívidas. Não conseguiu pagar a hipoteca e foi acionado pelo menos quatro vezes em ações de execução extrajudicial. Sofreu um infarto quando estava no apartamento da namorada, nos Jardins, em São Paulo, em 1992. Chegou morto ao Hospital do Exército. Deixou três filhos e herança de R$ 8,4 mil para cada, resgatados 15 anos após sua morte, quando fizeram o inventário. Nenhum deles quis falar ao GLOBO.

- Siga em frente com o seu trabalho, que a gente está seguindo em frente aqui também - disse o filho Roberto, dentista, desligando o telefone.

- Isso é coisa do passado, gostaria que não me incomodasse - completou a também dentista Márcia Albernaz.

- Esquece nossa família, vai ser melhor para você - disse Benoni Júnior, médico do Exército. (Thiago Herdy)