Título: O capitão que socou o rosto de Dilma, em 1970
Autor: Herdy, Thiago
Fonte: O Globo, 01/07/2012, O País, p. 9

"Quando venho para a Oban, deixo o coração em casa", dizia o militar de quem a presidente não consegue se esquecer

RELATOS DOS PORÕES

SÃO PAULO . O capitão Benoni de Arruda Albernaz tinha 37 anos, sobrancelha arqueada, riso de escárnio e fazia juras de amor à pátria enquanto socava e quebrava os dentes da futura presidente do Brasil Dilma Vana Rousseff, na época com 23 anos. Ele era o chefe da equipe A de interrogatório preliminar da Operação Bandeirante (Oban) quando Dilma foi presa, em janeiro de 1970. Em novembro daquele ano, seria registrado o 43 entre os 58 elogios que Albernaz recebeu nos 27 anos de serviços prestados ao Exército.

"Oficial capaz, disciplinado e leal, sempre demonstrou perfeito sincronismo com a filosofia que rege o funcionamento do Comando do Exército: honestidade, trabalho e respeito ao homem", escreveu seu comandante na Oban, o tenente-coronel Waldyr Coelho, chamado por Dilma e por colegas de cela de "major Linguinha", por causa da língua presa que tinha.

Um torturador com

diploma do Mérito Policial

Quinze anos depois, os caminhos percorridos por Albernaz não o levaram à condição de herói nacional, como ele imaginava. Registro bem diferente foi associado a seu nome na sentença do Conselho de Justiça Militar em que foi condenado a um ano e seis meses de prisão por falsidade ideológica. "Ética, moral, prestígio, apreço, credibilidade e estima são valores que o militar deve desfrutar junto à sociedade e ao povo de seu país. A fé militar e o prestígio moral das instituições militares restaram danificadas pelo comportamento do réu", concluiu o presidente do conselho, João Baptista Lopes.

A prensa nada tinha a ver com as sessões de tortura comandadas por Albernaz na Oban. Sua agressividade parecia se encaixar como luva na estrutura criada para exterminar opositores do regime. Apenas um ano depois de torturar Dilma e pelo menos outras três dezenas de opositores, ele recebeu das mãos do então governador de São Paulo, Abreu Sodré, o diploma da Cruz do Mérito Policial.

Filho de militar que representou o Brasil na 2 Guerra Mundial, Albernaz nasceu em São Paulo e seguiu a carreira do pai. Classificou-se em 107 lugar na turma de 119 aspirantes a oficial de artilharia em 1956, mesmo ano em que se casou. Serviu no Mato Grosso do Sul antes de ser transferido para Barueri, em São Paulo, no início dos anos 1960.

Tinha fixação pela organização de paradas de Sete de setembro. Estava na guarda do QG do Exército na capital paulista, em fevereiro de 1962, quando o comandante foi alvo de atentado à bala. Conseguiu correr atrás do autor e o espancou. Virou pupilo do general Nelson de Mello, que mais tarde viraria ministro da Guerra no governo de João Goulart.

Estava em férias na noite do golpe militar de 1964 e, ainda assim, apresentou-se espontaneamente para o serviço. Em 1969, representou o comando de sua unidade na posse do secretário de Segurança Pública de SP, o general Olavo Viana Moog, um dos futuros comandantes do grupo que exterminou a Guerrilha do Araguaia.

Neste mesmo ano foi convocado pelo general Aloysio Guedes Pereira para servir na recém-criada Oban, centro de investigações montado pelo Exército para combater a esquerda armada. Foi lá que Dilma o conheceu.

"Quem mandava era o Albernaz, quem interrogava era o Albernaz. O Albernaz batia e dava soco. Começava a te interrogar; se não gostasse das respostas, ele te dava soco. Depois da palmatória, eu fui pro pau de arara", disse a presidente em depoimento dado, no início dos anos 2000, para o livro "Mulheres que foram à luta armada", de Luiz Maklouf Carvalho.

Em 2001, em relato à Comissão de Direitos Humanos de Minas Gerais, Dilma afirmou que já tinha levado socos ao ser interrogada em Juiz de Fora (MG), em maio de 1970, e que seu dente "se deslocou e apodreceu". No mesmo depoimento, ela explicou: "Mais tarde, quando voltei para São Paulo, Albernaz completou o serviço com socos, arrancando meu dente".

Telefone de magneto era usado para choques elétricos

Albernaz era conhecido por se divertir dizendo aos presos que, por ser muito burro, precisava ouvir respostas claras. Tinha na sala um telefone de magneto que era usado para "falar com Fidel Castro", metáfora para a aplicação de choques elétricos, segundo relato de Elio Gaspari no livro "A Ditadura Escancarada".

"Quando venho para a Oban, deixo o coração em casa", explicava às vítimas. Uma delas foi o coordenador do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, Virgílio Gomes da Silva, o Jonas, primeiro preso a desaparecer após a edição do AI-5.

O mesmo general que convocara Albernaz para a Oban anos depois assinou relatório informando que Jonas "evadiu-se na ocasião em que foi conduzido para indicar um aparelho da ALN". Trinta anos depois, O GLOBO noticiaria a existência de um relatório em que militares admitem a morte do guerrilheiro em decorrência de "ferimentos recebidos".

- Albernaz era um homem terrível, o torturador mais famoso da Oban naquela época - confirmou ao GLOBO Carlos Araújo, ex-marido de Dilma, que foi preso alguns meses depois dela e submetido aos mesmos procedimentos da ex-mulher.