Título: Mudança em marcha
Autor: Amaral, Luiz Fernando do
Fonte: O Globo, 02/07/2012, Opinião, p. 7

Encerrada a Rio+20, apesar das críticas de alguns setores ao texto final, o documento trouxe avanços como a criação de um Conselho sobre Desenvolvimento Sustentável de Alto Nível e o fortalecimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). As tão esperadas Metas do Desenvolvimento Sustentável também entraram no documento. Porém, apenas se iniciou uma longa negociação para definição de compromissos. Em suma, processos foram iniciados, mas o documento não impactará o "mundo real", pelo menos não no curto prazo.

Isso fez com que muitos apontassem para o fracasso da Rio+20, talvez porque miraram suas análises no lugar errado. O que fracassou, já há muito tempo, foi o sistema multilateral. A falta de resultados conclusivos na rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) e no estabelecimento do regime climático pós-2012 são exemplos disso. Acordos vinculantes e ambiciosos em escala global são, atualmente, quase impossíveis, em grande medida devido ao aumento da complexidade do jogo multilateral devido à emergência de diversos centros de poder. A ONU e outras organizações internacionais já não são clubes em que muitos participam mas poucos decidem. Com mais interesses conflitantes sobre a mesa, crescem as dificuldades de consenso.

Isso não significa que o multilateralismo já não serve para nada. Pelo contrário, conferências que envolvam temas de vanguarda como mudanças climáticas e sustentabilidade hoje são muito mais do que meras reuniões governamentais. Quem acompanhou a Rio+20 viu uma infinidade de eventos paralelos, discussões e exposições dos mais diversos segmentos da sociedade civil, do setor empresarial e de governos subnacionais, como prefeituras e estados. Esse fenômeno, que também não é recente, gera consequências importantes.

Ações e compromissos assumidos por esses novos atores tendem a ser mais ambiciosos do que os temas discutidos nos documentos multilaterais. Governos subnacionais são hoje centrais em negociações globais paralelas. Um exemplo é a C40, organização de prefeitos das maiores cidades do mundo, que anunciou compromissos importantes de redução de emissões de gases de efeito estufa.

Atores privados também estão se movimentando. A quantidade de eventos e seminários no Rio, contando não apenas com a presença de técnicos mas com executivos de alto escalão, foi impressionante. O simples fato desse encontro estar na agenda de CEOs significa alguma coisa. De fato, segundo estudo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), em apenas 6 anos, os investimentos globais em energia renovável passaram de 33 bilhões para 211 bilhões de dólares por ano, mesmo com a crise financeira. Hoje, investimentos novos já são maiores em renováveis do que em fósseis.

Nesse novo contexto, estados e prefeituras assinam memorandos e anunciam metas, empresas estruturam certificações internacionais e estabelecem parcerias, organizações da sociedade civil fazem cúpulas e anunciam convênios. Mais importante, interagem também entre eles. É nesse "caldeirão" que vemos os maiores avanços. Um novo multilateralismo se consolida: podemos chamá-lo de multilateralismo multi-institucional.

Isso significa, então, que deveríamos acabar com as cúpulas e negociações multilaterais tradicionais? Elas são lentas, cansativas e caras, porém, absolutamente necessárias. Somente governos conseguem mobilizar os recursos e mídia para megaeventos como esse. Apenas a presença de mais de 100 chefes de estado e governo consegue elevar a agenda para um nível realmente global.

Tudo isso é o combustível que move esse novo multilateralismo multi-institucional. Para o processo continuar se aprofundando, enormes conferências globais são necessárias, incentivando, cada vez mais, a participação desses novos atores. Precisamos de combustível renovável também nas relações internacionais.

LUIZ FERNANDO DO AMARAL é gerente de sustentabilidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).