Título: Caça aos sonegadores
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 16/07/2012, Economia, p. 15

Depois de extrair dinheiro de onde podia - cortes de gastos, de salário e aumento de impostos - a Europa em crise sai à caça de fraudadores e das fortunas escondidas do Fisco. A última estimativa da Comissão Europeia aponta uma verdadeira economia paralela: um quinto do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos) médio dos 27 países-membros da União Europeia (UE), isto é, quase 2 trilhões, escapam por ano dos cofres dos governos por meio da evasão de impostos. A mesma estimativa foi feita pelo The Tax Justice Network, um grupo independente que defende transparência financeira e o fim do segredo bancário.

A Comissão Europeia, braço executivo da UE, vai apresentar até o fim do ano um plano de ação com medidas que poderiam ser adotadas rapidamente pelos países para combater a evasão fiscal. Esta semana, a imprensa da Alemanha revelou que o governo conseguiu uma lista secreta contendo os nomes de cinco mil a sete mil alemães (o número exato está sendo mantido em segredo pelas autoridades) com dinheiro escondido num dos maiores bancos suíços: o Crédit Suisse. O banco confirmou a informação, mas não deu o número. E está aconselhando seus clientes a se entregarem para minimizar a pena, de acordo com uma porta-voz. As casas de muitos deles já estariam sendo revistadas, segundo a Associated Press. Norbert Walter-Borjans, ministro das finanças do estado da Renânia do Norte-Vestfália, onde o caso está sendo investigado, deixou clara a determinação das autoridades em caçar os evasores:

- Os bancos suíços querem prometer aos clientes um paraíso fiscal com seus tratados tributários. Mas vamos fazer tudo para que os donos de fundos ilícitos não durmam mais em paz.

Seguro de vida para burlar o Fisco

No ano passado, o Crédit Suisse já teve problemas com autoridades da Alemanha, e acabou pagando 150 milhões num acerto para escapar de complicações, depois que surgiram indícios de que o banco estava ajudando alemães a escaparem do Fisco. Na Suíça, onde empregado de banco que quebra segredo bancário corre o risco de prisão, o principal jornal do país, "Tages-Anzeiger", avançou a versão de que a lista dos clientes foi transferida para a Alemanha por um funcionário, conseguindo burlar várias barreiras de segurança interna da instituição financeira. Ele foi demitido, segundo o jornal. Os clientes estavam burlando o Fisco por meio da compra de seguros de vida propostos pelo Crédit Suisse. Algumas contas teriam contratos de mais de 12 milhões. Suíça e Alemanha assinaram um acordo, que ainda não foi ratificado, em que os alemães se comprometem a não mais comprar CD-ROMs com nomes dos clientes com conta bancária na Suíça. Mas o caso relançou o debate na Alemanha.

Algirdas Semeta, comissário europeu para Fiscalidade e União Aduaneira, Luta contra Fraude e Auditoria, disse durante a última reunião de cúpula do bloco, no fim de junho, que existe vontade política para intensificar a fiscalização:

- Não vamos ter ilusões. Os responsáveis pela evasão fiscal roubam o cidadão comum e privam os Estados-membros de receitas que são imprescindíveis. Se queremos regimes fiscais justos e eficazes, devemos pôr fim a essa prática. Existe vontade política para intensificar essa luta.

A Espanha é outro país que lançou recentemente uma caça à evasão fiscal, num esforço para levantar pelo menos 8,2 bilhões até o fim do ano e combater a crise. O governo anunciou a aplicação de uma multa mínima de 10 mil para quem esconder dinheiro do Fisco. E o primeiro a pagar caro pode ser o craque de futebol e ex-jogador do clube Barcelona Samuel Eto"o, da República dos Camarões. Um promotor público espanhol acusa o jogador de ter desviado 3,5 milhões em impostos quando ele jogava no Barcelona, entre 2006 e 2009. O caso foi apresentado no dia 15 de junho num tribunal em Barcelona. Com quatro acusações, o jogador, que hoje está na Rússia, corre o risco de ser condenado a cinco anos de prisão e ainda pagar uma multa de 21 milhões.

Na semana passada, a diretoria do Banco Central da Itália estimou que 27,4% do PIB do país - o terceiro maior da zona do euro - são gerados na economia paralela. Segundo ela, pelo menos 10,9% desse percentual do PIB provêm de atividades criminosas, como prostituição e drogas. A Comissão Europeia está pressionando a Itália a apertar o cerco. A dívida do país atinge hoje 120% do PIB. Segundo a Tax Justice Network, a Itália perde por ano 183 bilhões com evasão fiscal.