Título: Vida às escuras
Autor: Vasconcellos, Fábio
Fonte: O Globo, 15/07/2012, Rio, p. 16

A rotina se repete semanalmente há mais ou menos cinco décadas no Sítio Estrela D"Alva. Jair Martins reúne alguns objetos pessoais numa pequena sacola, despede-se da mulher e enfrenta sozinho cinco quilômetros de uma estrada formada por pedras, lama e muitos buracos. É uma hora e meia de caminhada da localidade de Forquilha - uma área aos pés do Parque Nacional da Serra da Bocaina - até Patrimônio, distrito de Paraty.

O esforço desse senhor de 66 anos, com histórico de dois infartos, é para garantir a recarga da bateria das quatro lanternas que mantém em casa. Foi a maneira que ele encontrou para iluminar a sua residência, que até hoje não tem energia elétrica. Os antigos candeeiros - alimentados por óleo diesel e que podem ser acesos como uma vela -, Jair procura evitar, por causa da fumaça "que irrita a garganta e faz mal". A história desse pequeno agricultor e de sua mulher, Florinda Pereira, de 58 anos, não é única no Rio. No estado, 5.987 famílias, quase 18 mil pessoas, ainda vivem sem acesso à energia, segundo o Censo 2010.

- É muito ruim. Moro aqui há 50 anos e nunca pude ter uma televisão, uma geladeira. Toda semana tenho que ir carregar as lanternas. Para preservar a comida, temos que fritar a carne e mergulhar na banha de porco. À noite, a nossa companhia é o céu estrelado - diz Jair, ao lado do neto, Vitor, de 11 anos, que veio do interior de São Paulo passar as férias com os avós.

Perto do Sítio Estrela D"Alva, outras famílias também se viram como podem. É o caso de Juarez Pereira Lima, de 50 anos, Maria Nilzete Aguiar, de 53, e a filha do casal, Luzia, de 9. Os três costumam defumar linguiça de porco no fogão a lenha para que a carne não se estrague rapidamente. À noite, a distração é ouvir no rádio a "Hora do Brasil". Eles vivem tão isolados que o volume do aparelho ecoa pelo vale, em Forquilha, onde fica o sítio da família.

- Desde a época da antiga Cerj, que era responsável pela energia na região, participamos de várias reuniões. Todo mundo vem aqui e diz que vai instalar a energia, depois some, e nada acontece. Continuamos no escuro - reclama Juarez.

Em Paraty, 2,6% dos imóveis sem luz

Paraty é o município do Rio com a maior proporção de domicílios sem energia, 2,6%, o que corresponde a 300 imóveis. Em algumas praias, onde vivem famílias de pescadores, também não existe energia, como é o caso da Ponta Grossa, da Vermelha e da Conceição. O segundo município com maior proporção de casas sem acesso à rede elétrica é Mangaratiba (1,7%), seguido de Cardoso Moreira (1,6%). Na capital, existem 773 imóveis residenciais sem acesso à energia. Apesar do maior número absoluto entre todas as 92 cidades do estado, a capital tem o menor percentual (0,04%) de casas sem luz.

Mesmo no distrito de Patrimônio, em Paraty, que conta com rede elétrica, existem residências sem energia, à beira da BR-101. O comerciante Agnelo Fernando, de 50 anos, tem um sítio e há sete anos pede à concessionária Ampla a instalação dos postes, mas nunca foi atendido. Outros moradores só conseguiram ter energia após ingressar na Justiça contra a empresa. Cansado de esperar, Agnelo comprou, há um mês, duas placas de iluminação solar e duas baterias. Gastou cerca de R$ 7 mil e mesmo assim não pode tomar banho com o chuveiro elétrico porque a potência do sistema não permite:

- O mais incrível é que o meu vizinho, que está a menos de 250 metros do meu sítio, tem energia, e eu não. Isso não faz o menor sentido. O Ibama já esteve aqui e certificou que o meu sítio não tem qualquer problema com relação aos limites do Parque da Bocaina. Mesmo assim, nada acontece. Não ter energia em casa dificulta até a gente receber visitas. As pessoas só podem vir durante o dia.

A maior parte do Estado do Rio é atendida por duas grandes concessionárias de energia: Ampla, com 73% dos municípios, e Light, com 25%, incluindo a capital. Juntas, elas respondem por 98% do serviço. A cidade de Sumidouro é abastecida por uma concessionária de Minas Gerais. Já Nova Friburgo, na Região Serrana, tem uma concessionária própria, a Energisa.

A Light afirmou que 100% da sua meta no programa Luz Para Todos, do governo federal, cujo objetivo é levar energia para todo o Brasil, foi atingida entre 2005 e 2007. Nesse período, 1.179 domicílios foram ligados à rede. Segundo a empresa, os novos pedidos que surgem, em razão da ampliação ou do crescimento de bairros e cidades, são atendidos dentro dos prazos.

A Ampla informou que está "negociando com o Ministério de Minas e Energia a continuação do Luz Para Todos no período 2012/2013, com previsão de execução de 1.795 novas ligações". A empresa acrescentou que 99,93% de sua área de concessão têm energia. Com relação a Paraty, a Ampla ressaltou que o município está numa área ambiental protegida e, por isso, há alguns pontos onde é necessária a liberação dos órgãos ambientais para fazer a ligação de energia. Além disso, "há locais na área de atuação de difícil acesso", onde há impedimentos para fornecer o serviço. Por fim, a concessionária ressaltou que a grande maioria das áreas que ainda requerem instalações do programa Luz Para Todos fica no Sul Fluminense.

Aurélio Faria, diretor do Luz Para Todos, diz que os "sem-luz" do Estado do Rio são uma minoria e que em breve essa realidade vai deixar de existir. Ele conta que, desde que o programa foi criado, há nove anos, 12 milhões de pessoas em todo o Brasil, que viviam sem energia passaram a ter luz. E que, no Rio, apenas os lugares de acesso mais difícil, como algumas ilhas da Costa Verde e lugarejos mais isolados do interior, sem acesso por estrada, não receberam as linhas de energia.

- A ideia do programa era levar os ramais de energia às áreas rurais, onde as concessionárias de energia não chegavam. Conseguimos uma boa cobertura, mas ainda falta atender a quem mora nesses lugares mais isolados. Nessas áreas, o esforço técnico e o custo do trabalho para levar a energia são um pouco maiores. Um exemplo são algumas das ilhas da Costa Verde do Rio, onde será preciso passar cabos submarinos para fazer com que a energia chegue às residências - conta Faria.

O diretor do Luz para Todos informou ainda que um novo contrato entre a Eletrobras e a Ampla, no valor de cerca de R$ 20 milhões, já está em fase de assinatura. Faria explicou que novas tecnologias foram desenvolvidas para que os moradores de ilhas e serras pudessem ser atendidos pelo programa, como é caso das famílias de pescadores em Paraty.

COLABOROU: Natanael Damasceno