Título: Hollande irrita católicos com agenda liberal
Autor: Eichembeerg, Fernando
Fonte: O Globo, 15/07/2012, O Mundo, p. 36

PARIS . Acossado pelas pres-sões econômicas internas e as divergências de rumo sobre o enfrentamento da crise na Europa, o presidente François Hollande vislumbra novos confrontos no horizonte demarcado pelas amplas janelas do Palácio do Eliseu. Promessas de campanha relacionadas a questões de sociedade prenunciam acalorados embates em seus caminhos para alcançar o status de lei. É o caso da legalização do casamento homossexual e da adoção homoparental, do abrandamento da legislação sobre a eutanásia, e da inclusão da lei sobre a laicidade, de 1905, na Constituição. Instituições e representantes católicos já preparam uma devota cruzada para evitar que os projetos sejam aprovados pelo Parlamento, de ampla maioria socialista.

O alto escalão do governo não deixou dúvidas sobre suas intenções. O primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault afirmou que "no primeiro semestre de 2013 o direito ao casamento e à adoção será aberto a todos os casais sem discriminações". O governo Hollande também não esconde seu desejo de reformar a chamada Lei Léonetti, de 2005, que define os direitos dos pacientes em estado terminal, e de introduzir na Constituição a lei sobre a laicidade no país, temas de elevado grau de sensibilidade para a Igreja Católica.

O Instituto Civitas, criado há 11 anos, promete ser o mais barulhento na batalha que se anuncia. "Hoje o casamento homossexual, amanhã a poligamia& Parem! Casamento = 1 homem + 1 mulher", diz um dos adesivos distribuídos pelo instituto, que programa uma intensa atividade militante em todo o país a partir de setembro.

'Isso favorece islamização', critica líder religioso

Alain Escada, presidente da organização, acusa Hollande de esconder sua fraqueza no combate ao desemprego e ao fraco crescimento da economia com medidas favoráveis aos homossexuais, à eutanásia e à laicidade.

- O lobby homossexual é muito ativo e se aproveita desta situação. Há também movimentos laicos muito fundamentalistas que sempre demandaram leis cada vez mais mortíferas. Ampliar as leis sobre o aborto e legalizar a eutanásia enfraquece o poder do cristianismo na França. Isso favorece a islamização do país - defende o dirigente católico.

Escada também não aprova o reforço constitucional da laicidade na França:

- Desde o início de sua campanha, Hollande insistiu na vontade de incluir a separação da Igreja e do Estado na Constituição. É evidente que deseja passar uma mensagem à corrente fundamentalista laica, que lembra penosos momentos da história da França. Essa lei se desenvolveu num clima de guerra civil, a polícia forçou a porta das igrejas, soldados apontaram baionetas contra os católicos. Não é uma mensagem pacificadora, ao contrário, pressagia graves tensões para o futuro - prevê.

Na sua opinião, a partir do momento em que se questionam as "regras de base que formam a sociedade há 2 mil anos", há uma grave desestabilização, e "pode-se ir na direção de todas as decadências possíveis e imagináveis". Na sua mira, também estão os representantes oficiais da Igreja no país:

- Infelizmente, os bispos da França não têm o hábito de proclamar publicamente a doutrina da Igreja em relação à organização da sociedade. Contrariamente aos bispos dos EUA ou da Espanha, falta-lhes coragem. Com isso, a Igreja perde a sua força.

Maioria da população é favorável, indica pesquisa

Mesmo que mais discreta e menos eloquente, a Conferência dos Bispos da França exprime com todas as letras, em seu site, suas posições contrárias às propostas governamentais. Sobre a eutanásia, define como "uma falsa solução ao drama do sofrimento, uma solução indigna do homem". Sobre a união homossexual, diz que, "ao criar o ser humano, homem e mulher, Deus suscitou uma relação de complementaridade ao mesmo tempo biológica e social que se encontra em toda a sociedade". Sobre a laicidade, alerta que o debate emergiu por causa da "presença mais numerosa de cidadãos de religião muçulmana e de questões impostas por certas práticas minoritárias".

Já a Academia Católica da França, um centro de estudos de intelectuais cristãos fundado há três anos, divulgou comunicado alertando para eventuais desvios provocados por uma maior liberalização da eutanásia.

Apesar da ruidosa resistência, o governo Hollande parece estar em sintonia com a maioria da população francesa ao impor sua agenda progressista. Segundo uma pesquisa de opinião do Instituto BVA, 63% dos franceses seriam atualmente favoráveis ao casamento gay, prática legalizada em países como Portugal e Espanha, de forte tradição católica. Mesmo entre os que se declaram "conservadores", a porcentagem é superior: 51%.