Título: A escola Samuel de polêmicas
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 29/06/2012, O Mundo, p. 33

Simpático aos bolivarianos, diplomata fez carreira de altos cargos e controversos radicalismos

BRASÍLIA. Não é a primeira vez que o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães radicaliza e toma atitudes polêmicas. Há dez anos, outro de seus rompantes lhe atraiu os holofotes. Foi exonerado do cargo de diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais do Itamaraty porque falou, em uma palestra para militares, contra a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), uma das bandeiras do governo da época, presidido pelo tucano Fernando Henrique Cardoso.

Os críticos afirmam que o diplomata é antiamericano, contrário à globalização e ao livre mercado e admirador de líderes bolivarianos, como os presidentes da Venezuela (Hugo Chávez), da Bolívia (Evo Morales) e do Equador (Rafael Correa). Pinheiro Guimarães chegou a ser citado diversas vezes pelo venezuelano. Em geral, Chávez tinha em mãos, nos discursos de reunião de cúpula do Mercosul, além da Constituição de seu país, algum livro do embaixador, a quem chamava de amigo.

As declarações contra a Alca agradaram ao então candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva, que, ao nomear Celso Amorim para o Ministério das Relações Exteriores em 2003, convidou Pinheiro Guimarães para secretário-geral do Itamaraty. Ele e Amorim são consogros e foram colegas na Embrafilme, na década de 1970. Para se ter ideia do prestígio de Pinheiro Guimarães, como ele não era embaixador de 1 classe como o cargo de secretário-geral pedia, Lula pôs fim à exigência.

Para evitar se tornar, de novo, "refém de suas opiniões" - como diz um graduado embaixador brasileiro - o diplomata optou pelo silêncio ao assumir o segundo posto mais importante do Itamaraty. Parou de dar entrevistas, virou low profile , mas continuou agindo nos bastidores.

A vida foi mais difícil no Itamaraty, principalmente para os jovens diplomatas, quando Pinheiro Guimarães, hoje com 73 anos, ocupou a função de secretário-geral. Ele estabeleceu como precondição para a remoção e a promoção dos funcionários a leitura de uma série de publicações, incluindo alguns de seus quase 20 livros, no que ficou conhecido como "escolinha do professor Samuel". Sua influência na diplomacia era evidente desde o início da carreira de mais de 50 anos. Em 2005, conseguiu excluir a prova de inglês dos exames eliminatórios para o ingresso no Rio Branco.

Para os Estados Unidos, um dos principais defensores da Alca, as coisas também não foram fáceis. Lula enterrou as negociações para a criação da zona de livre comércio no hemisfério e se aproximou de países tidos como antiamericanos.

Em 2010, o diplomata foi nomeado ministro de Assuntos Estratégicos, no lugar do também polêmico Mangabeira Unger. Com o fim do governo Lula, Pinheiro Guimarães se tornou, em janeiro de 2011, alto representante do Mercosul, cargo que deixou ontem.

Nascido no Rio, mestre em Economia pela Boston University e apaixonado por literatura e temas ligados à integração latino-americana, o embaixador é, apesar das polêmicas, admirado dentro e fora do país.

Pessoas que o conhecem há mais tempo contam que, no fim da década de 1980 e início da de 1990, Pinheiro Guimarães, no comando do departamento econômico do Itamaraty, elaborou um manual para orientar os funcionários sobre como falar ao telefone. Costumava usar ampulheta para medir o tempo nas audiências e papel carbono em bilhetes para subordinados.