Título: Pinheiro Guimarães renuncia ao Mercosul
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 29/06/2012, O Mundo, p. 33

Brasileiro alega falta de apoio político e surpreende bloco ao deixar cargo em pleno debate sobre crise do Paraguai

Enviada especial

MENDOZA, Argentina . O brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães surpreendeu ontem a diplomacia regional ao anunciar de forma abrupta, logo no início da cúpula do Mercosul em Mendoza, sua renúncia como alto representante-geral do bloco. Ele negou as versões que apontavam como motivo divergências sobre a situação do Paraguai, questão que centra os debates na cidade argentina, e atribuiu sua saída à falta de "apoio e condições políticas para exercer o cargo".

- Cheguei a Mendoza com a decisão já tomada. E ela nada tem a ver com a crise em relação ao Paraguai - disse o diplomata ao GLOBO.

Ex-ministro de Assuntos Estratégicos da Presidência e ex-secretário-geral do Itamaraty, Pinheiro Guimarães ocupava desde janeiro de 2011 o cargo, criado um mês antes para estabelecer uma espécie de porta-voz e representante máximo do Mercosul. Ele cumpria funções de articulação política, formulação de propostas e representação das posições comuns dos Estados-membros.

O anúncio da renúncia foi feito durante a reunião de chanceleres do bloco. Após um pequeno discurso, em que alegou falta de apoio às iniciativas que defende, Pinheiro Guimarães limitou-se a entregar um relatório aos colegas sobre o que considera serem as prioridades do Mercosul. Ele negou divergências dentro do Itamaraty, como também especulava-se, e com o chanceler Antonio Patriota, que contribuiu para alimentar os rumores ao se recusar a falar sobre o caso em entrevista coletiva.

- Realmente nos surpreendeu. Ele tinha todo nosso apoio - disse o chanceler uruguaio, Luis Leonardo Almagro.

Bloco chega a consenso sobre suspensão paraguaia

Apanhados de surpresa, os diplomatas do Mercosul ainda não deram qualquer pista sobre a substituição de Pinheiro Guimarães. Ontem, os chanceleres chegaram a um consenso sobre a punição ao Paraguai pelo impeachment de Fernando Lugo. A decisão, a ser formalizada hoje pelos presidentes de Brasil, Argentina e Uruguai, foi de não aplicar sanções econômicas, mas manter o país suspenso do Mercosul até abril de 2013, mês das eleições presidenciais.

- Existe um consenso no Mercosul pela não aplicação de sanções econômicas ao Paraguai. O que seria anunciado amanhã (hoje) vai um pouco além do que foi comunicado no domingo passado, já que a suspensão era por uma semana e seria prorrogada - disse Patriota ao GLOBO.

Em aberto, fica a definição da situação jurídica do Paraguai - suspenso, mas não excluído - em relação ao bloco. O status incide em questões delicadas, como as relações comerciais entre os Estados-membros e a adesão plena da Venezuela. A situação inédita será estudada mais a fundo pelos chanceleres. Segundo fontes brasileiras, a intenção do Mercosul é de alguma forma dar um troco político ao Congresso paraguaio, o único que não ratificou a adesão plena do país de Hugo Chávez ao bloco.

Enquanto seu destino era discutido em Mendoza, em Assunção o governo paraguaio já começava a se articular para buscar alternativas às punições. Uma delas, manifestada ontem pelo ministro da Fazenda, Manuel Ferreira, seria mudar a taxação de mercadorias provenientes dos países vizinhos.

- Se o Mercosul resolver nos bloquear, haverá uma consequência favorável para o Estado, porque o orçamento geral tem um déficit e, com as sanções, teremos de impor tarifas às importações de Argentina, Brasil e Uruguai, que nos dariam maior receita - disse Ferreira. - Qualquer bloqueio não terá efeitos traumáticos. Cerca de 60% das nossas importações vêm da China.

Agravando a tensão, o presidente do Parlasul, o paraguaio Ignacio Mendoza, denunciou ter sido barrado ontem na reunião. E o novo governo paraguaio acusou a Venezuela de ter instigado uma sublevação das Forças Armadas durante o impeachment de Lugo. A denúncia - feita pela ministra da Defesa María Liz García e reforçada pelo presidente Federico Franco - é de que o chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, tentou convencer os militares a apoiarem o ex-bispo e se oporem a sua destituição.

- Dizem estar preocupados com a ruptura institucional no país, mas, no fundo, o barulho internacional (contra Franco) é para que consigam meter a Venezuela pela janela no Mercosul - disse o senador liberal paraguaio Miguel Abdón Saguier.

Para hoje, são esperados discursos mais enérgicos com a chegada de presidentes como a argentina Cristina Kirchner e o equatoriano Rafael Correa - Mendoza também recebe a cúpula da Unasul. Ontem, antes de embarcar, Correa deu mostras do tom que adotará:

- Independentemente do que o Mercosul ou a Unasul definam, o Equador já decidiu: não reconheceremos um governo ilegítimo. Chega de apologia.