Título: E o amanhã?
Autor: Arslanian , Regis
Fonte: O Globo, 03/07/2012, Opinião, p. 7

O Mercosul é um empreendimento de longo prazo. Não é da noite para o dia que se pode acomodar assimetrias e convergir culturas e normas entre nações. O desafio é garantir que as decisões que sejam tomadas hoje sempre sirvam para agregar, assegurando o aprofundamento da integração e sua consolidação. Temos que zelar - e aqui cabe ao Brasil a maior responsabilidade - para que as ações que sustentemos dentro do Bloco não venham, de futuro, a ir contra os rumos da integração ou, pior ainda, se voltem contra os próprios interesses brasileiros.

Na Cúpula de Mendoza, foram tomadas decisões relevantes, que terão impacto institucional sobre o futuro do Mercosul, entre elas, a suspensão temporária do Paraguai e a incorporação da Venezuela como membro pleno. Sem entrar no mérito da ruptura ou não da ordem democrática do país vizinho, o afastamento de um membro pleno dos órgãos do Mercosul e de suas deliberações nos leva a indagar como ficarão as decisões tomadas quando o Paraguai - esperemos - retome seus direitos e obrigações no Bloco.

As decisões do Mercosul compõem sua normativa, que é mandatória para os membros plenos. Como foram tomadas na sua ausência e à sua revelia, o Paraguai poderá resignar-se a endossar todas as decisões da última Cúpula e aquelas a serem tomadas enquanto perdurar sua suspensão, e conviver com elas para sempre, ainda que contrárias a seus interesses. Ou, o que é mais provável, buscará questioná-las juridicamente e, se possível, invalidá-las, entorpecendo os trabalhos de construção da integração. Não nos esqueçamos que as decisões no Mercosul são tomadas por consenso, e que, ao ser readmitido no Bloco, o Paraguai recuperará seu poder de veto.

Do ponto de vista interno do país vizinho, não é de prever que a próxima campanha eleitoral venha a privilegiar o Mercosul. Ao contrário, os últimos desdobramentos que levaram à sua suspensão serão utilizados para vilipendiar o Mercosul e seus objetivos de integração, postura que o próximo Governo eleito e sua delegação à mesa de negociação dificilmente conseguirão reverter.

Levaremos anos para apaziguar o inconformismo paraguaio dentro do Mercosul. Enquanto isso, será difícil transmitir segurança jurídica e credibilidade junto à classe empresarial regional e externa, assim como frente a outros blocos e países com os quais, inclusive, buscamos estabelecer acordos comerciais.

Teremos, a partir de agora, que saber administrar esta crise no Mercosul. O calor das recentes circunstâncias políticas do Paraguai levou-nos a tomar atitudes inusitadas, que, sem dúvida, requererão habilidade para assegurar que a desejada reincorporação do Paraguai possa ser efetuada da maneira menos traumática possível.

Não devemos perder de vista, no nosso projeto de integração, que decisões como a de Mendoza poderão, amanhã, também recair, ainda que amparadas na interpretação do Protocolo de Ushuaia, sobre qualquer outro país membro, como, por exemplo, a Argentina, agora a Venezuela, ou, mesmo, o Brasil. De nossa parte, concordaríamos, por acaso, com decisões tomadas no Mercosul sem nossa participação e anuência?