Título: Vitória contestada no México
Autor: Martins , Elisa
Fonte: O Globo, 03/07/2012, O Mundo, p. 3

O jovem Enrique Peña Nieto levou o Partido Revolucionário Institucional (PRI) de volta à Presidência do México. Mas, depois de eleito, com 38% dos votos e uma vantagem de apenas sete pontos percentuais sobre o rival Andrés Manuel López Obrador - as pesquisas apontavam uma diferença de até 18 pontos - Peña Nieto pode enfrentar dois novos obstáculos, mais complexos que a corrida presidencial em si: com 97% das urnas apuradas, os números mostravam que o PRI não conseguiu obter a maioria no Congresso. E mais: o segundo colocado, Andrés Manuel López Obrador, prometeu impugnar o resultado do pleito - divulgado preliminarmente pelo Instituto Federal Eleitoral (IFE) - alegando a ocorrência de fraudes. O PRI negou qualquer irregularidade.

López Obrador, do esquerdista Partido da Revolução Democrática (PRD), obteve 31% dos votos e classificou de escandaloso o comportamento do aparato governamental diante de mais de três mil denúncias de irregularidades - sobretudo no Estado do México, bastião eleitoral do vencedor, onde Peña Nieto consolidou sua carreira política no cargo de governador.

- Sim, vamos contestar (a eleição) - declarou López Obrador. - Não podemos aceitar um resultado fraudulento. Temos provas de que no Estado do México gastaram 800 milhões de pesos (R$ 120,4 milhões) em despesas, compraram pelo menos um milhão de votos, e isso ocorreu também em outros estados.

O representante do PRI no IFE disse que o triunfo de Peña Nieto é irreversível.

- Lamentamos que ele (López Obrador) assuma uma atitude antidemocrática que vai contra o compromisso assinado de aceitar os resultados eleitorais - disse Sebastián Lerdo, referindo-se a um documento assinado pelos candidatos antes da eleição.

As denúncias trazem de volta aos mexicanos o drama eleitoral das eleições de 2006 - quando López Obrador denunciou irregularidades ao perder a disputa por 0,56 ponto percentual para o atual presidente, Felipe Calderón. Milhares de manifestantes do movimento estudantil Yo Soy 132 foram às ruas ontem protestar contra Peña Nieto.

"Modelo Petrobras" é tema de divergência

Na sede do PRI, no entanto, apenas comemoração. Peña Nieto afirmou que vai priorizar reformas nos setores energético, trabalhista e tributário. Eram avanços esperados da gestão Calderón - mas que acabaram freados, justamente, pela oposição do PRI. Para que a História não se repita com os papéis invertidos, o partido historicamente associado ao abuso de poder terá de negociar.

- Esta não era a vitória que o PRI esperava, e vai obrigar Peña Nieto e sua equipe a pensarem num plano B de como governar com a maioria simples, mas sem poder conquistar nada sozinhos - explicou ao GLOBO o analista político Genaro Lozano, do Instituto Tecnológico Autônomo do México. - A grande pergunta é de que lado o PAN vai jogar. Os dois partidos têm um histórico de cooperação em alguns temas, principalmente econômicos. Tudo dependerá de o PAN colaborar com o PRI ou de decidir atuar como uma força minoritária da oposição liderada pelo PRD.

Peña Nieto ainda não anunciou nenhum nome do Gabinete, limitando-se a dizer que montará uma equipe de transição, que pode ter um papel importante para começar informalmente as negociações antes da posse, em dezembro.

Sem as reformas, Peña Nieto teria dificuldades de levar adiante outra das principais promessas de governo, que é acelerar a economia a um crescimento de 6% (atualmente a taxa é de 1,8% anual) e gerar mais empregos num país onde a pobreza atinge 52 milhões de mexicanos - metade da população.

A proposta de tornar a estatal petroleira Pemex mais competitiva também deve enfrentar resistência da oposição - majoritária no novo Congresso. Peña Nieto já declarou a intenção de modernizar a Pemex com investimentos privados, nos mesmos moldes da brasileira Petrobras, algo que provocava arrepios em López Obrador nos debates na campanha.

A necessidade de negociação, porém, pode acalmar os temores de que, no poder, o PRI resgataria a administração corrupta e linha-dura característica do partido em seu domínio da Presidência por 71 anos seguidos no século passado. Nos dias anteriores às eleições, partidários do PAN e do PRD alardeavam que o partido era o mesmo que deixou o poder em 2000, apenas com uma nova fachada.

Analistas reconhecem que a base e os chefões do PRI são os mesmos, mas a diferença está no país.

- O México mudou muito em 12 anos. Uma mostra clara de que não vai ser tão fácil para o PRI cometer abuso de poder é o renascimento dos movimentos sociais que surgiram na campanha, como o movimento Yo Soy 132 - afirmou a cientista política Yolanda Meyenberg, da Universidade Nacional Autônoma do México.