Título: Uruguai ameaça rever adesão da Venezuela
Autor: Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 03/07/2012, O Mundo, p. 25

BRASÍLIA e MONTEVIDÉU . O Uruguai ameaça tornar mais conturbada a já controversa entrada da Venezuela no Mercosul, dada como selada pelo bloco desde a semana passada. O chanceler Luis Almagro garantiu ontem que, sem unanimidade, a decisão só foi tomada em Mendoza por pressão direta da presidente Dilma Rousseff, não é definitiva e, agora, será reavaliada juridicamente por seu governo. O Planalto não só negou a versão, como disse que a incorporação do país de Hugo Chávez foi sugerida pelo próprio presidente uruguaio, José Mujica.

Desde que chegou ao poder, em 2010, Mujica se declarou várias vezes a favor da incorporação da Venezuela. Mas o momento escolhido para dar o passo definitivo, segundo Almagro, não agradou ao presidente uruguaio, que só não teria interferido devido à pressão "decisiva" de Dilma. A oficialização da entrada ficou marcada para o último dia deste mês, em reunião no Rio de Janeiro.

- Nada é definitivo. Se todo mundo tivesse certeza, a Venezuela teria entrado (no Mercosul) na sexta-feira passada em Mendoza. Mas os países estabeleceram este prazo, de 31 de julho - disse à radio local El Espectador o ministro, que prometeu "analisar novamente a legalidade da medida".

Oposição uruguaia pede que Congresso reavalie aval

A entrada venezuelana só se tornou possível graças à suspensão do Paraguai, retaliado pelo Mercosul devido ao impeachment de Fernando Lugo. Seu Congresso era o único dos quatro dos países-membros que ainda não havia dado o aval necessário ao processo. Segundo o chanceler uruguaio, tudo ficou definido na reunião fechada de presidentes em Mendoza.

- A decisão foi tomada pelos três presidentes, tendo ouvido suas chancelarias. Foi uma decisão unânime que refletiu um consenso político. Não houve da nossa parte nenhuma imposição, nenhuma pressão. Isso não corresponde ao estilo da política externa brasileira, menos ainda da presidente Dilma - disse o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia.

Na versão de Almagro, as discussões foram conduzidas por Dilma. Ela teria pedido licença aos chanceleres presentes para, em particular, "falar politicamente" com Mujica e Cristina Kirchner. O presidente uruguaio, disse o ministro, defendeu sua oposição "de forma bastante implacável", mas preferiu não vetar. No anúncio formal da adesão venezuelana, no entanto, Mujica teria demonstrado sua insatisfação de forma sutil: cedeu sua cadeira ao embaixador uruguaio e acompanhou a leitura da declaração final da cúpula da segunda fileira.

- Já nas negociações (entre chanceleres) na quinta, fomos especialmente contrários ao ingresso da Venezuela nessas circunstâncias - afirmou Almagro.

Marco Aurélio Garcia, no entanto, disse que a posição favorável à Venezuela "foi fortemente amparada por critérios jurídicos". Ele negou ainda que o fato de a Venezuela ter voltado atrás sobre o corte no fornecimento de diesel ao Paraguai tenha sido fruto da pressão do Mercosul.

A decisão tomada em Mendoza deixou Almagro numa saia-justa no Uruguai. Dias antes, ele negara que a suspensão paraguaia teria ligação com a entrada venezuelana. A adesão do país de Chávez, afirmou então, só seria possível com a aprovação do Congresso paraguaio.

O opositor Luis Alberto Heber, líder do opositor Partido Nacional no Senado, questionou o governo por "dizer uma coisa e fazer outra", e pediu a renúncia de Almagro. O senador Pedro Bordaberry, do também opositor Partido Colorado, considerou que a nova realidade obriga o Congresso uruguaio a analisar novamente a entrada da Venezuela - Mujica tem maioria na Câmara e no Senado.

- A decisão (no Congresso uruguaio) estava condicionada também aos Parlamentos de Argentina, Brasil e Uruguai. Isso agora não acontece - afirmou Bordaberry.

Federico Franco é acusado de nepotismo

Uma missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) se reuniu ontem em Assunção com Lugo e com o novo presidente, Federico Franco, para avaliar a situação no país. Lugo denunciou novamente ter sido vítima de "um julgamento sumário" no Congresso. E Franco garantiu que o Paraguai atravessa um momento de estabilidade.

A missão, que tem integrantes dos EUA, é chefiada pelo secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza. Ele considerou a situação no Paraguai tranquila, mas delicada, e garantiu que a organização não será influenciada pelas recentes decisões de Mercosul e Unasul. Segundo Insulza, sua missão é apenas informativa.

- O país está tranquilo, não há convulsão, apesar do incômodo gerado pelo que ocorreu. Provavelmente na segunda-feira que vem apresentaremos um relatório ante o Conselho Permanente, para que tome a decisão de convocar ou não os chanceleres - afirmou.

Franco foi acusado ontem por opositores de nepotismo, justamente um dos pontos levantados para destituir Lugo. Apesar de ter prometido que cargos públicos não seriam destinados a parentes, o novo presidente nomeou uma cunhada como conselheira de Itaipu e um primo como ministro de Ação Nacional.

Com agências internacionais