Título: Mudança fragiliza o bloco, dizem analistas
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 30/06/2012, O Mundo, p. 38

BRASÍLIA e RIO . O ingresso da Venezuela como membro pleno do Mercosul fará com que o bloco ganhe uma roupagem mais política do que econômica, devido à influência do presidente Hugo Chávez. Esta é a opinião de especialistas ouvidos pelo GLOBO, que avaliam que a mudança na composição do bloco, sem o aval de um dos seus fundadores, contribui para fragilizar a união aduaneira. Ainda assim, especialistas acreditam que o processo iniciado ontem é irreversível, mesmo diante do eventual retorno do Paraguai, suspenso após o impeachment do presidente Fernando Lugo.

De forma geral, a leitura feita nos bastidores ontem era de que os presidentes Dilma Rousseff e José Mujica (Uruguai) cederam às pressões da argentina Cristina Kirchner, ao passarem por cima do Senado paraguaio.

- Toda a lógica do processo foi dirigida por Argentina e Venezuela. O Brasil ficou a reboque. A mudança dá um matiz mais bolivariano ao Mercosul. E a Argentina é hoje cada vez mais bolivariana - afirma Eduardo Viola, professor de Relações Internacionais da UnB.

A expectativa é de que a União Europeia e outros parceiros internacionais passem a criar dificuldades em negociações para um acordo de livre comércio com o bloco sul-americano.

- Do ponto de vista político, Chávez tem uma orientação ideológica muito clara, que está explícita no bloco bolivariano, e isso certamente trará dificuldades. As negociações serão mais lentas porque não é um casamento perfeito - afirma Williams Gonçalves, professor de Relações Internacionais da Uerj.

Apesar dos entraves políticos, Gonçalves avalia que o movimento é também uma resposta favorável à criação da Aliança do Pacífico neste ano, com México, Colômbia, Peru e Chile, e pode resultar em aumento de investimentos e laços comerciais entre Brasil e Venezuela.

Para o embaixador José Botafogo Gonçalves, um dos fundadores do Mercosul e hoje presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), a notícia sobre o ingresso da Venezuela não poderia ter sido pior. Para ele, houve violência desnecessária com o Paraguai.

- A posição do Mercosul, na verdade, é contra o Senado paraguaio, que já está na berlinda. Depois, sabemos que a Venezuela não está cumprindo os requisitos básicos para entrar no Mercosul - disse Botafogo. - O problema da Venezuela entrar no Mercosul é o Chávez, que não gosta do livre comércio e quer transformar o bloco numa plataforma política.

O mesmo avalia José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Segundo ele, os venezuelanos não preenchem os requisitos básicos para entrarem no Mercosul:

- Quando o Paraguai for readmitido, terá direito a reverter o processo? Foi uma sacanagem o que fizeram com os paraguaios.

A resposta à pergunta do presidente da AEB é "não", de acordo com o especialista em Direito Internacional Welber Barral. Embora ainda não exista um acordo de harmonização das tarifas de importação entre a Venezuela e o Mercosul, os venezuelanos passarão a ter direito a voto nas decisões do bloco.

- Acredito que o processo de harmonização de tarifas será longo - disse Barral.

Antes, a Venezuela tinha apenas direito a voz, com longos discursos de Chávez nas reuniões de cúpula. No entanto, para o presidente da Federação das Câmaras de Comércio Brasil-Venezuela, José Francisco Marcondes, o comércio entre os dois países, que em 2011 foi de quase US$ 6 bilhões, vai dobrar nos próximos três ou quatro anos:

- Lutamos muito para que isso acontecesse. Um dos resultados da entrada da Venezuela no Mercosul é que os estados do Norte e do Nordeste serão incorporados, de fato, ao bloco.

Para Pedro Cláudio Cunca, professor de Relações Internacionais da PUC, a decisão do bloco foi ditada pelo pragmatismo econômico, mas pode ser classificada como moderada por não impor sanções econômicas ao Paraguai.

Eugênio Martins, professor do Departamento de História da Universidade de Brasília, disse que a decisão tomada ontem pelos presidentes do Mercosul foi oportunista:

- A Venezuela é bem-vinda, e Chávez não. Mas não existe hoje Venezuela sem Chávez.